Este é o 4º artigo que faz parte de uma série deste autor sobre igreja relacional. Wayne Jacobsen é escritor e palestrante. Ficou bastante conhecido no Brasil com a publicação dos livros “Por que você não quer mais ir à igreja?” e “Deus me ama”, ambos pela Editora Sextante. Em dezembro de 2009, esteve em nosso país para uma conferência em que compartilhou o que significa viver diariamente como um filho amado do Pai e como isso influencia a maneira de nos relacionarmos uns com os outros. Clique aqui para ler os artigos anteriores
“Siga o dinheiro!” As palavras assombrosas do “Garganta Profunda”, o informante não identificado do Washington Post, provou ser a voz crítica que revelou a corrupção na Casa Branca de Nixon.
Acho que isso é um eco interessante de Eclesiastes 10.19, “o dinheiro é a resposta para tudo”. Quando as pessoas me perguntam por que todos os pregadores da tevê se parecem, eu mostro Eclesiastes para elas. Quando me perguntam por que a religião organizada funciona como funciona, eu mostro Eclesiastes. Quando me perguntam como eu sei o que meu coração exatamente quer, eu mostro Eclesiastes. Em termos humanos, o dinheiro é resposta para tudo. Como você o vê e o usa, vai mostrar como compreende a obra de Deus em sua vida.
De todas as questões que ouço sobre a vida na igreja relacional, “O que você pensa do dízimo?” está na posição mais alta da lista, junto com “O que faremos com as crianças?”. Confesso que atravesso as águas financeiras com muito cuidado, pois nada tem tido um uso mais inadequado no meio do povo de Deus em nossos dias. Geralmente os que falam sobre dinheiro têm o objetivo de colocar suas mãos em uma quantidade maior para si mesmos. Então deixa eu fazer uma advertência desde o início: não existe crise financeira aqui e, por favor, não nos envie contribuições por pensar que exista um apelo velado para que se faça isso. Não há, e se é difícil para você acreditar, por favor, sinta-se livre para não ler mais nada.
Muito do que se diz nesta área aponta para pessoas com um fardo pesado de culpa, ou induzidas a dar por falsas promessas de que Deus vai lhes retornar uma quantia maior de dinheiro. Corro o risco de ser mal compreendido, pois quero que você descubra a alegria e liberdade de ver as mãos do Pai, quando você dá algo, da mesma forma que em outras áreas de sua vida. Não pretendo ter aqui todas as respostas nem oferecer um tratado completo sobre este assunto, mas quero compartilhar com vocês o lugar a que a caminhada tem me conduzido nesta área.
Jesus e o dinheiro
Jesus falou muito mais sobre dinheiro que qualquer outro assunto, exceto sobre o relacionamento com o Pai. Ele disse que nada revela mais nossas paixões do que o que entendemos como tesouro, ou o que livremente compartilhamos como oferta a Deus. Mesmo uma leitura apressada dos evangelhos revela que eles falam mais de dinheiro do que de igreja, adoração ou mesmo oração. O Evangelho nos alerta para não julgar a justiça ou generosidade de Deus e deixa claro que a vida abundante não tem nada a ver com a quantia de dinheiro ou possessões que temos, mas com a simplicidade de viver na liberdade de sua justiça, descansar em sua paz e na plenitude de sua alegria. A busca pelo dinheiro e as preocupações que isso traz têm a capacidade de sufocar a vida do reino em qualquer um de seus seguidores. É melhor dar dinheiro para os pobres do que deixá-lo possuir seu coração. O Evangelho também diz que o coração sábio usaria o dinheiro como ferramenta para o propósito de Deus no mundo. Ele pode abrir portas e servir à necessidade de muitos, quando ele não possui você. Use-o responsavelmente para si, e ele pode ser uma bênção para você e para os outros. Guardá-lo faz com que suas promessas se tornem uma prisão para um coração obscurecido. Com a capacidade tanto para o bem como para o mal, como Deus quer que lidemos com o dinheiro?
O dízimo da congregação
Isto costumava ser muito fácil para mim. Enquanto eu crescia, fui ensinado que dez por cento de tudo que recebesse pertencia a Deus. Eu devia a ele os dez por cento, era o dízimo. Eu o pagava como uma doação para qualquer congregação local que eu frequentasse. Os responsáveis eram livres para usá-lo de acordo com as necessidades da comunidade – para adquirir uma propriedade, pagar salários, financiar programas e também para ajudar pessoas em necessidade. Eu não tinha liberdade para dar onde Deus me conduzisse a fazer. Se eu quisesse dar para algum outro lugar, tinha que ser além de meu dízimo. Era o dízimo da congregação. Para ser honesto, percorrendo as linhas da Bíblia, nunca estive completamente confortável com esse entendimento. Certamente que Abraão dizimou como um ato de gratidão a Deus mesmo antes de a Lei ser dada. O dízimo também ajudou a pagar a manutenção do Templo e dos levitas que cuidavam dele. Ele era compartilhado com os necessitados e também usado para custear as festas que celebravam a presença de Deus no meio deles.
Devemos admitir, contudo, que o Novo Testamento é notavelmente silencioso acerca do dízimo como prática para a igreja emergente. Em nenhum lugar é encorajado, mas não existe oposição para a generosidade demonstrada pela ajuda mútua. Fiquei perdido nisso por muito tempo, cegado pelo pragmatismo das necessidades de custear as instalações, salários e programas das instituições que eu frequentava. Sem o compromisso de dizimar, nós simplesmente não poderíamos sustentar as coisas que pensávamos ser tão importantes para nós. Era muito fácil optar pelo dízimo do Velho Testamento como comprovações textuais fáceis para atender a nossas necessidades.
Uma forma diferente de dizimar
Minha conclusão atual é muito diferente. Não, eu não creio que dizimar seja errado. Eu simplesmente vejo isso como tudo o mais no Velho Testamento – trata-se de uma sombra para algo muito mais real que Deus queria nos mostrar em Jesus. E como toda sombra da Velha Aliança, quando você descobre a verdadeira essência do dar, você compreende que o dízimo, em comparação, é um pobre substituto. “Você quer dizer que eu não devo dizimar?” Eu amo esta pergunta, pois ela desmente a motivação que o dízimo, muitas vezes, esconde. Ele é uma conta, uma obrigação que devemos a Deus. Uma vez paga, podemos ficar com os 90% e gastar da forma que quisermos. Não pagar, nas palavras de Malaquias, é roubar a Deus naquilo que lhe pertence.
O Novo Testamento mostra um quadro totalmente diferente. Jesus nunca mencionou o dízimo como uma prática para seus seguidores. E embora as doações formem um tema constante nos livros de Atos e nas epístolas, o dízimo é mais uma vez não mencionado. Em vez disso, vemos algo a mais na prática deles. Os crentes davam não porque tinham que dar, mas porque escolhiam dar. Aqueles que foram convidados para um relacionamento com o Deus Vivo eram tão transformados e abençoados por sua generosidade, que correspondiam aos que estavam ao seu redor com a mesma generosidade. As doações resultantes foram muito superiores ao que o dízimo poderia alcançar. Mesmo quando Pedro condenou Ananias à morte por causa do dinheiro que deu, isso foi feito na certeza de que a igreja não exigia isso dele. “A propriedade não lhe pertencia? E, depois de vendida, o dinheiro não estava em seu poder?” (Atos 5.4). Quando Paulo recolheu ofertas para os crentes que passavam fome em Jerusalém, ele deixou claro que não era uma ordem sua, mas simplesmente uma oportunidade. “Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria” (2 Co 9.7). Enfim, dar porque temos que fazer não é realmente dar. É apenas mais uma obrigação a cumprir, e muito longe do que Deus tinha em mente o tempo todo.
Dar generosamente
De fato, Paulo ficou admirado de como os macedônios, que viviam em situação de pobreza, corresponderam aos necessitados: “… no meio da mais severa tribulação, a grande alegria e a extrema pobreza deles transbordaram em rica generosidade. Pois dou testemunho de que eles deram tudo quanto podiam, e até além do que podiam. Por iniciativa própria, eles nos suplicaram insistentemente o privilégio de participar da assistência aos santos” (2 Co 8.2-4). Isto soa como dízimo? O dízimo poderia resultar numa ação tão extraordinária? Acho que não! Os crentes eram tão abençoados pela generosidade de Deus para com eles que, mesmo tendo suas próprias necessidades, eles respondiam com generosidade para com os outros. Eu amo como o Novo Testamento põe o foco no lugar certo. Eu não dou dinheiro para Deus – Deus age generosamente através de nós. É ele quem começa o ciclo.
Tendo nos abençoado com sua generosidade, nós responderemos da mesma forma em relação aos outros. Mas há um problema aqui, não há? Se eu não sinto que Deus está sendo generoso comigo, eu ainda assim dou para os outros? Paulo disse que o dar e o receber no corpo é algo cíclico. Aqueles que têm muito hoje poderiam muito bem ser aqueles com necessidade amanhã. O alvo é compartilhar para que ninguém tenha muito ou muito pouco. Mas quanto é demais e quão pouco é muito pouco? Enquanto penso, é óbvio que quase todos nós que vivemos em países do primeiro mundo estamos financeiramente bem em relação ao padrão mundial, e por isso poucas pessoas conhecem a generosidade de Deus. Por quê?
Como age a generosidade de Deus
A razão pela qual poucas pessoas realmente entendem a generosidade de Deus vem de duas realidades. Primeiro, elas medem isso pelo que reconhecem como seus desejos e necessidades. Comparar nossas casas, carros e brinquedos com os dos outros leva à inveja e ganância. Enfrentando nossas exigências, Deus raramente vai parecer generoso. Paulo compreendia a generosidade de Deus de uma forma muito mais profunda que o conforto material. Ele disse que conhecia o segredo do contentamento, mesmo se estivesse com abundância ou necessidade. Como estava focado na agenda de Deus para sua vida e não em sua própria, ele via as mãos generosas de Deus em cada área de sua vida. Veja como ele descreve isso: “E Deus é poderoso para fazer que lhes seja acrescentada toda a graça, para que em todas as coisas, em todo o tempo, tendo tudo o que é necessário, vocês transbordem em toda boa obra” (2 Co 9.8).
Tenho vivido a maior parte de minha vida espiritual como filho de um Pai mesquinho. Nem sempre tenho tudo o que eu queria e, muitas vezes, decepcionado pela resposta de Deus a algumas de minhas mais fervorosas orações, vivo um desapontamento em relação a Ele. Sim, eu podia expressar intelectualmente louvor e ações de graça da mesma forma que a pessoa que está ao meu lado, mas por baixo dos panos eu me sentia chateado e continuamente frustrado pelas coisas que Deus não fez e eu esperava que fizesse. Foi apenas nos últimos treze anos, em que Deus desmantelou minha agenda para minha vida, que eu tenho sido capaz de ver um relance do que Paulo está falando na Carta aos coríntios. Como estava tão ocupado tentando trazer Deus para minhas programações, eu não podia ver as incríveis coisas que ele estava fazendo em minha vida diariamente. Quando começo todos os dias sem minhas próprias preferências de como quero que as coisas funcionem, encontro-me constantemente maravilhado com o que Deus está fazendo em minha vida e genuinamente agradeço por cada ação dele. Se ele não me dá uma coisa, é porque realmente eu não preciso dela. É por isso que nossas expectativas são frequentemente frustradas. Não é porque Deus não se preocupa conosco, mas porque ele tem compromisso em nos libertar da tirania do eu. Somente assim experimentamos os recursos de Deus e descobrimos o quão generoso ele é.
Como isso funciona?
Viver na generosidade de Deus nos conduz a uma vida de generosidade com nosso dinheiro, nosso tempo e vida espiritual. Considerando que Deus cuida de nós de forma incrível, nunca mais precisaremos viver preocupados com a vida pessoal. Assim, será mais fácil para nós vermos formas pelas quais Deus quer nos levar a ajudar os outros. Você se lembra dos macedônios que deram tanto, mesmo eles tendo necessidades? Isto aconteceu pelo compromisso que tinham em dizimar? Não! Como Paulo escreveu, “E não somente fizeram o que esperávamos, mas entregaram-se primeiramente a si mesmos ao Senhor e, depois, a nós, pela vontade de Deus” (2 Co 8.5). Simplesmente, eles ouviram Deus e fizeram o que ele pediu. Isso foi maior do que Paulo esperava. Aqueles que estão convencidos de que dar a Deus não é nada mais do que pagar dez por cento como uma obrigação, nunca entenderão doações como esta. Algumas vezes ao ano, eu recebo ligações de pessoas que Deus conduziu para fora de instituições abusivas. Elas dizem que Deus as levou a pagar a partir de então os seus dízimos para nosso grupo “Lifestream”. Minha resposta é sempre a mesma. Depois de agradecer a elas por sua atenção, eu as libero de qualquer compromisso regular. “Se Deus colocou em seu coração para nos enviar algo este mês, então faça. Se Deus indicou que fizesse isso no próximo mês, então faça. E se nos meses seguintes Deus o conduziu a fazer algo mais com seus dons, então, de todas as maneiras, faça isso”. Nunca nenhuma dessas pessoas contribuiu conosco mais do que um mês ou dois. Esperamos que elas estejam aprendendo uma melhor forma de dar.
Uma vida de doações
A cada dia Deus quer que você experimente de seu generoso amor, e então lhe mostrar como ele quer canalizar sua generosidade através de você para alcançar os outros. Na forma como eu vejo, as Escrituras não o obrigam a dar para um local específico. Quando você é conduzido por Deus e não seduzido pelo apelo e demanda daqueles que sempre proclamam estar em crise, Ele vai lhe mostrar onde dar. Aqueles que se reúnem de forma mais relacional e não possuem necessidade de gastar uma grande soma de dinheiro em prédios, salários ou programações, muitas vezes encontram formas criativas de ver Deus usando a sua generosidade. Eles dão para os que têm necessidade, estendem a luz do reino de Deus no mundo, mesmo para sustentar projetos ministeriais que se sentem chamados a apoiar. Eles podem fazer juntos ou separadamente.
Conheço um grupo na Austrália que recolheu ofertas em uma conta comum para distribuí-las em benefício do grupo. Após passarem seis semanas discordando sobre como fazer isso, decidiram devolver o dinheiro de cada um e deixar que doassem da forma como se sentissem conduzidos por Deus. Eles preferiram gastar o tempo encorajando a fé uns dos outros, em vez de gastar a oferta uns dos outros. Conheço outros que põem uma quantia específica de dinheiro na carteira mensalmente e veem onde Deus gostaria que eles dessem de forma acidental durante a semana.
Note que não estou dizendo que é pecado dar dez por cento para o grupo com o qual você se reúne regularmente, se é o que Deus está lhe pedindo. Na verdade, penso que as pessoas que Deus tem abençoado e que não estão dispostas a compartilhar a carga financeira do local em que elas recebem algum benefício, deveriam reconsiderar se Deus quer mesmo ou não que elas façam parte disso. Mas as maneiras de Deus para o dar fazem do dízimo uma mera sombra. Aqueles que descobriram a Deus como um Pai generoso darão além dos dez por cento, apenas por atender o que Deus pede a eles. Isso é muito mais, pois não se trata de uma conta a pagar, mas de uma extensão de sua generosidade. Eles vão dar com uma paixão que não apenas transfere fundos, mas também constrói relacionamentos. Por que abraçar a sombra, quando você pode experimentar a realidade que está por trás disso? Isso é tão verdadeiro neste reino, não é?
Traduzido de www.lifestream.org por Ezequiel Netto