Este artigo é o sétimo de uma série que está discutindo alguns problemas do divórcio, uma prática antiga que afeta atualmente a maioria das famílias.
Dando continuidade às reflexões sobre os sofrimentos dos filhos durante e após o rompimento conjugal de seus pais, estejam estes ligados por um casamento oficial ou não, falaremos sobre a faixa etária jovem. Entre os mitos relacionados ao divórcio, está o de que os jovens não são afetados por esse fenômeno. Muitos discursos em defesa das separações entre casais com filhos maiores de 18 anos baseiam-se na crença de que estes últimos não sofrerão devido à maturidade que a idade lhes proporciona. No entanto, como já apresentado em outros artigos, quem procurar conhecer a intimidade desses filhos vai descobrir a verdade: o divórcio traz sofrimentos, não importa de que natureza ou intensidade, em qualquer fase da vida.
Nos resultados da pesquisa longitudinal da Drª. Wallerstein, única no mundo com os “filhos do divórcio” (título do livro e sem conotação pejorativa), ela afirma: “Contudo, é na idade adulta que os filhos do divórcio sofrem mais. O impacto do divórcio os atinge de forma mais cruel à medida que buscam amor, intimidade sexual e compromisso” (WALLERSTEIN, 2002, p.350). Quem nunca conviveu com pessoas de histórico parecido talvez se impressione com essa afirmação. Porém, se considerarmos a influência que o modelo de relacionamento dos pais pode ter sobre os filhos, também concordaremos com a autora.
Os principais tipos de sofrimentos dos jovens
Neste artigo evidenciaremos as conclusões e reflexões da pesquisadora sobre os jovens adultos e alguns outros temas pertinentes. Apresentaremos parte dos resultados do trabalho de 25 anos, que possibilitou a ela comparar aspectos da vida da maioria dos 131 filhos das 60 famílias estudadas com os dos filhos de outras 40 famílias vizinhas desse grupo, cujos casais não se divorciaram. A Drª. Wallerstein refere-se às famílias que não passaram por divórcio como “intactas”.
Entendemos que sua maior preocupação com os sofrimentos dos jovens que acompanhou são as dificuldades deles com a formação de vínculos afetivos saudáveis. Ela registra, por exemplo, que a simples ideia sobre o tipo de pessoa que alguém procura para ter um relacionamento amoroso já é bastante difícil para eles. Explica por que considera “chocante” o contraste entre esses jovens em suas buscas por amor e compromisso quando ela os compara aos “filhos de lares intactos integrados”. Em uma de suas falas a respeito, afirma que “Adultos a partir dos 20 anos, oriundos de famílias intactas razoavelmente boas ou até moderadamente infelizes, apresentavam um ótimo entendimento das exigências e dos sacrifícios necessários num relacionamento íntimo. Tinham recordações de que seus pais enfrentaram e superaram as diferenças, como cooperaram numa crise. Desenvolveram uma ideia geral sobre o tipo de pessoa com quem queriam casar; o mais importante é que não tinham a expectativa de fracassar” (WALLERSTEIN, 2002, p.351).
Embora o discurso de grande parte dos defensores do divórcio seja bem diferente disso, a pesquisadora constatou, mesmo não sendo contra o divórcio, que a experiência dos filhos dentro de um casamento duradouro dos pais possibilitou que tivessem tranquilidade no enfrentamento das inevitáveis crises conjugais. Do outro lado, a ansiedade presente na personalidade dos “filhos do divórcio” gerou muito sofrimento, quer nos relacionamentos conturbados, quer nos considerados por eles como sendo muito felizes. Claro que nem todos os filhos vão repetir as experiências dos pais, mas o modelo conjugal destes pode marcar profundamente a forma como aqueles reagirão emocionalmente no próprio casamento.
O simples fato de um filho de pais separados discordar de seu cônjuge já desperta o medo de ser abandonado, traído ou rejeitado. Ele enxerga o casamento como um terreno escorregadio, afinal seus pais caíram nele. Em muitos casos, a reação inicial é de pânico ou de fuga do conflito. Aqueles que com grande dificuldade venceram esses sentimentos tiveram de aprender muitas coisas sobre boas relações humanas de modo bem rápido, ou perderiam seus parceiros. Os poucos que tiveram pais dedicados, ainda que sozinhos, sofreram menos devido às orientações e apoio recebidos. Porém, persistiu nesses jovens a raiva pela mãe e, na maioria das vezes, pelo pai que saíram de casa, sendo sempre considerados por eles como egoístas e infiéis. Tal sentimento avançou bastante nas suas vidas de adulto, e isso foi possível ser percebido devido ao tempo que a pesquisa demorou.
Outros fatos constatados envolvendo essa faixa etária também são significativos. Afirma a Drª. Wallerstein que alguns desses adultos se compadeceram dos pais que não conseguiram reconstruir suas vidas depois do divórcio. Mas eles arcaram com um custo emocional, principalmente as filhas, tendo muita dificuldade em conduzir as próprias vidas separadas da mãe. No caso dos filhos homens, a maioria não desenvolveu vínculos afetivos com o pai, contrapondo-se aos jovens das famílias intactas, que revelaram tendência a desenvolver maior intimidade com seus pais com o passar dos anos.
Os poucos “filhos do divórcio” que tiveram sucesso na vida afetiva só puderam experimentar isso entre 30 e 40 anos de idade. A persistência deles em vencer os sentimentos de perda e traição herdados dos pais e a habilidade de aprenderem com os relacionamentos fracassados foram a base para essa conquista. A pesquisadora destaca que, nesses casos, “os que têm a felicidade de encontrar um parceiro amoroso conseguem interromper seu curso autodestrutivo por meio de um longo namoro ou casamento” (WALLERSTEIN, 2002, p.352).
Sobre a vida financeira desses adultos, os dados demonstram que o medo da perda, de mudanças inesperadas e de algum tipo de desastre os golpeia o tempo todo. Afinal, sentiram na pele como uma separação conjugal pode mudar negativamente tudo nessa área. Outro aspecto preocupante ligado a isso é que entre os muitos que construíram uma carreira profissional de sucesso, a maioria manifestou não ter a menor intenção de ajudar os pais ou padrastos quando estes chegassem a uma idade avançada. Embora tal sentimento possa mudar, esse comportamento tende a agravar as dificuldades que a sociedade americana terá para manter uma boa qualidade de vida para os idosos que dependerem de seus cuidados. No caso do Brasil, essa situação é bem mais complicada. Além da despreocupação da maior parte das pessoas com consequências sociais do divórcio como essa, infelizmente não existe a prática política de se fazerem programas de prevenção a favor da família.
A multiplicação de problemas familiares devido à cultura divorcista
Sobre a prática parental dos filhos adultos do divórcio (principalmente aqueles que já haviam se divorciado) para com os próprios filhos, a autora afirma desanimada que eles “não estão protegendo os filhos do modo que poderíamos esperar. Eles continuam repetindo os mesmos erros que seus próprios pais cometeram, perpetuando problemas que os atormentaram a vida toda” (WALLERSTEIN, 2002, p.352). A partir dessa constatação e considerando que a nossa sociedade vem se tornando cada vez mais liberal quanto ao sexo sem compromisso, consumo de drogas lícitas ou ilícitas e outros comportamentos de risco, há uma grande probabilidade de muitos dos filhos dessa segunda geração de “filhos do divórcio” terem comprometimentos dificilmente reversíveis em seu desenvolvimento afetivo.
Se essa preocupação da autora, que é também nossa, se materializar, e se concordamos que um ambiente familiar emocionalmente saudável é fundamental para a manutenção de uma sociedade também saudável, então estamos diante de um grave problema. Entre as situações difíceis, de cujas consequências ainda não temos ideia exata, teremos de nos preparar para conviver com pessoas praticamente sem habilidades sociais. E o mais importante: precisaremos aprender a ajudar aquelas que quiserem mudar seu comportamento e, talvez o mais difícil, preparar nossos filhos para tudo isso. Diante desses grandes desafios, a pesquisadora sugere algumas ações imediatas. A seguir, a nossa interpretação sobre algumas delas.
É preciso questionar a cultura divorcista. Devemos agir para que todos, inclusive os promotores do divórcio, percebam ou reconheçam que a família, a sociedade e principalmente as crianças e adolescentes têm arcado com muitas perdas devido à banalização das separações conjugais. Embora um tema complexo, o aumento da busca pelo prazer de experienciar múltiplas relações conjugais de forma irresponsável precisa ser questionado.
É preciso lutar por políticas públicas que favoreçam ou mantenham ações de orientação e formação para casais que não estão conseguindo vencer crises conjugais ligadas ou não ao processo de divórcio, principalmente quando há crianças envolvidas. Quando a separação for inevitável, deve-se garantir a presença mediadora de profissionais da área da infância e adolescência, pois eles são importantes nas tentativas de minimizar os sofrimentos dos filhos. Nesse sentido, a autora lamenta o fato de serem poucas as instituições educacionais que oferecem formação sobre “como entender ou ajudar filhos e pais depois da separação, do divórcio e do novo casamento” e acrescenta que ao não nos preocuparmos com isso, “Continuamos nutrindo o mito de que o divórcio é uma crise transitória e que, tão logo os adultos estabilizem sua vida, os filhos se recuperarão integralmente”. E finaliza: “Quando a verdade será compreendida em sua profundidade?” (WALLERSTEIN, 2002, p.353).
Dentre outras sugestões, ela propõe um caminho por onde começar: “Eu começaria com um esforço para fortalecer o casamento” (WALLERSTEIN, 2002, p.354). A proposta é de trabalharmos pelo casamento em moldes diferentes do machismo ou feminismo, por uma conjugalidade concentrada nas dificuldades sociais contemporâneas impostas aos novos casais e que os auxiliem em como enfrentá-las. Para reforçar sua tese, lembra que 80% dos divórcios americanos (naquele momento) ocorriam nos primeiros nove anos de casados, dado que não se alterou muito. Em nosso país, segundo o IBGE, em 2010, 40,9% dos divórcios ocorreram nos primeiros dez anos de conjugalidade.
É nessa direção do fortalecimento do casamento e de ajuda para uma boa preparação dos jovens para esta aliança que temos tentado trabalhar. Em nossa pequena experiência com casais jovens, quando um ou os dois vieram de lares desfeitos, constatamos realidades muito parecidas com as encontradas pela Drª. Wallerstein. A falta de perspectiva por um relacionamento duradouro também é muito comum entre eles. Quando possuem filhos pequenos, toleram um pouco mais as consequências dos problemas inerentes ao casamento, sem, no entanto, resolvê-los. Porém, o mito do “melhor separar do que continuar brigando” quase sempre prevalece, realimentando o ciclo vicioso (pois eles fizeram parte dele) e fortalecendo outro mito, o de que os filhos também participarão da eventual realização conjugal de um ou dos dois pais num outro casamento.
Mas não é preciso ser um “especialista em família” para orientar ou apoiar jovens casais e/ou filhos de pais separados. O leitor pode identificar no próprio casamento requisitos que contribuem para estar capacitado a ser referência para jovens casais ou solteiros. Entre eles estão: dialogar em qualquer situação, entender o que deve ser aprendido individual e conjuntamente nas diferentes e necessárias crises conjugais e familiares e, não menos importante, ter um grupo de amigos que compartilha princípios semelhantes e com os quais se pode contar nos momentos mais difíceis. Ou seja, devemos possibilitar àqueles que não tiveram modelo de vida conjugal saudável conhecerem nossa luta diária pela recompensadora construção de uma família alicerçada na fidelidade aos compromissos assumidos e no amor incondicional.
Além desse ideal, há ótimas literaturas a respeito. Uma delas, que pode ser trabalhada com casais ou noivos que objetivam um casamento cristão (que pode não ser a mesma coisa que casamento numa religião cristã), é o livro “Como se livrar de um mau casamento: construindo um relacionamento significativo”, de Carlos Catito Grzybowski, editora Ultimato, 2004. Além do ótimo conteúdo, no final de cada um dos sete capítulos há atividades que ajudarão a entender e participar do propósito de Deus para o casamento, portanto a garantia de realização pessoal, conjugal e familiar nessa vida e a adequada preparação para a eternidade.
Para finalizar, algo que você já deve saber e a que precisa manter-se muito atento diz respeito às fontes de orientação ou ajuda para o casamento, sejam elas institucionais ou pessoais. Cuidado, ninguém pode ou deveria ensinar sobre aquilo que não vive ou está buscando viver, principalmente sobre conjugalidade ou família. Não se trata de julgar ninguém, apenas de seguir a recomendação do Deus de amor para conhecer a árvore pelos frutos (Mt 12.30-37).