Este artigo é o oitavo de uma série que está discutindo alguns problemas do divórcio, uma prática antiga que afeta atualmente a maioria das famílias.
Fazendo uma rápida retrospectiva sobre esta série, estamos discutindo assuntos que frequentemente são minimizados ou ignorados pela sociedade. Apresentar aspectos negativos das separações conjugais não é uma prática comum, inclusive entre muitas religiões cristãs, o que favorece a manutenção de mitos geradores de sofrimentos. Os prejuízos são maiores para os filhos e têm o potencial de manter o círculo vicioso de relacionamentos pessoais ruins. Neste artigo nos concentraremos nas consequências que o divórcio pode provocar na sociedade em geral.
Pelas razões apresentadas nos artigos anteriores e talvez por várias outras, a maioria das pessoas prefere as consequências da separação conjugal ao esforço pela busca das soluções para os inevitáveis conflitos relacionais que podem promover o crescimento emocional do casal. O divorcismo criou o mito de que a primeira opção é a mais interessante pela suposta certeza de que se encontrará um relacionamento amoroso melhor. E enquanto esse “melhor” não acontece, o “namoro”, não importa que um ou os dois envolvidos tenham filhos, mantém a ilusória condição de “não casado”.
Mesmo que esporadicamente, coabitar é como estar casado, ainda que isso seja considerado um “namoro”. Essas contradições afetarão de diversas formas a convivência, sendo a sensação de insegurança geradora de brigas que normalmente se agravam. Portanto é falsa a crença de que não há consequências para essa condição representada pela frase “A fila andou”, muito utilizada por aqueles em destaque na mídia. Refletindo sobre temas ligados a isso, a Drª. Wallerstein recorda a fala de uma jovem sobre suas frustrações.
“Há alguns meses, John se mudou para minha casa. Saímos durante cerca de seis meses e decidimos que não gostávamos de dormir em dois lugares. Ele é legal, Judy. Gosta muito de mim. Vai completar 42 anos no mês que vem. Decidimos viver juntos, mas nunca vamos nos casar ou qualquer coisa assim. Ele passou por dois divórcios e está cheio disso. Não planejamos ter filhos, a menos que você conte nossos cães de caça dourados como filhos substitutos” – ela riu da própria ideia. (WALLERSTEIN, 2002, p.339)
Portanto esse fenômeno quase comum na contemporaneidade afeta pessoas com dificuldade de construir um relacionamento conjugal duradouro. E elas julgam equivocadamente que o problema seja a formalização disso, o “casamento”. Quem passou por dois divórcios, sem contar outras coabitações como no citado caso, não terá sua dificuldade resolvida se apenas não formalizar a união ou deixar de ter filhos. Esse entendimento sobre relacionamentos conjugais é um exemplo de possíveis desordens sociais. Nas palavras da pesquisadora:
O divórcio tem efeitos subsequentes que atingem não apenas a família envolvida, mas a sociedade em seu conjunto. Como observou o escritor Pat Conroy quando seu casamento terminou: “cada divórcio é a morte de uma pequena civilização”. Quando um casal se divorcia, esse rompimento afeta parentes, amigos, vizinhos, patrões, professores, membros do clero e uma multidão de estranhos. (WALLERSTEIN, 1991, p.25)
É praticamente impossível delimitar essa “multidão de estranhos”, e no caso de famílias pobres esses “rompimentos” contribuirão, e muito, para sobrecarregar os sistemas de assistências sociais públicas ou privadas. Vejamos mais algumas situações envolvendo esses “efeitos sociais” apresentadas pela autora (WALLERSTEIN, 1991, p.387 a 406). Lembramos que ela não só acompanhou as famílias da citada pesquisa, mas também deu e vem dando apoio psicossocial na busca por soluções de milhares de outros conflitos ligados ao divórcio.
Empobrecimento familiar e consequentes demandas
O termo empobrecimento é aqui utilizado para classificar uma grande diminuição da renda familiar, independentemente do padrão socioeconômico existente antes da separação conjugal.
Ainda que a mulher tenha uma profissão rentável, o que não se aplica à maioria da população pobre e de classe média, o divórcio irá reduzir a condição financeira da família. A partir disso, a necessidade de trocar de emprego, aumentar a carga horária de trabalho e/ou voltar a estudar gerará necessidades emocionais e físicas inexistentes antes da separação. Fatos como esses vêm colocando a mulher quase no mesmo nível de vulnerabilidade a doenças físicas, psicológicas e psiquiátricas vista nos homens e antes restrita a eles, sobrecarregando os sistemas de saúde.
No caso das separações não consensuais, comuns quando o casal tem filhos, quase sempre também ocorre procura pelos sistemas jurídicos, dando início a litígios que podem se arrastar por anos, seja por causa de pensões alimentícias ou disputas por outros bens materiais. Isso sem contar as brigas pela custódia ou visitação aos filhos ou os processos por danos físicos e/ou morais. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em 2009 do IBGE, disponíveis no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos últimos cinco anos (2005 a 2009) 22% das demandas judiciais brasileiras envolveram problemas familiares. Se considerarmos que processos relacionados a separações conjugais também podem fazer parte dos 12,5% de ações criminais, dos 4,8% sobre terras ou moradias e dos 10,4% classificados como “outras”, muito ainda seria agregado a esses casos dentro dos 22%. Os números podem ser ainda maiores a partir da constatação do IBGE de que quase 30% da população buscou outras pessoas ou instituições para tentar resolver seus conflitos.
Desordens sociais geradas por filhos do divórcio
Reiteramos que não há aqui nenhuma intenção preconceituosa ou discriminatória em relação a esses filhos. Nós os consideramos vítimas do sistema divorcista, necessitados de toda ajuda possível para superarem suas crises e serem motivados a romperem com o ciclo de erros de seus pais, que às vezes também foram vítimas. Também lembramos que a maior parte do trabalho de apoio familiar que fazemos é para essas pessoas.
Muitas são as demandas sociais geradas para os filhos com o divórcio. De modo geral, eles são lançados para diversas situações de risco com o fim de uma relação parental que lhes proporcionava pelo menos um mínimo de segurança física e emocional. Recordemos que a Drª. Wallerstein identificou na maioria deles a preferência pela condição de não separação dos pais, mesmo considerando os conflitos relacionais que presenciavam. Mas isso eles só perceberam algum tempo depois do divórcio quando puderam fazer a comparação. Ela chamou esse tipo de comportamento de “efeitos retardados do divórcio”.
Embora não haja dados específicos sobre essa população no Brasil, é possível ter alguma ideia a respeito de suas muitas demandas sociais. Uma das formas é refletir sobre a pesquisa publicada em 2012 no site do CNJ, apresentando que de 2005 a 2008 houve a oficialização de 123.502 casos de violência contra crianças e adolescentes em nosso país. Apesar de serem dados de mais de cinco anos, calculamos uma média anual de quase 31.000 casos; mais de 2.500 por mês; mais de 84 por dia; significando que a cada hora mais de 3 crianças ou adolescentes sofrem violência. Esses números foram crescentes e com maior incidência nas regiões Norte e Nordeste.
Consideramos que há uma grande probabilidade de muitos desses casos terem suas origens na condição de vulnerabilidade que as separações colocam os filhos, principalmente entre os mais pobres. Sem contar aquilo que não é denunciado. Outra evidência nessa direção é o crescente envolvimento de crianças e adolescentes em diversos crimes, muitos deles antes cometidos apenas por adultos. Ou seja, se não há proteção dos pais, a criminalidade pode envolvê-los facilmente. Infelizmente há um movimento eleitoreiro de políticos e de parte da mídia desviando nossa atenção para a suposta necessidade de diminuição da maioridade penal como sendo a solução do problema.
Diferentemente do que ocorre no Brasil, há publicações norte-americanas específicas sobre envolvimentos de filhos do divórcio em situação de violência ou condutas antissociais. Uma delas está no livro “A diferença que o pai faz”, de Josh MCDOWELL e Norm WAKEFIELD, Editora Candeia, 2007. Os autores relatam, a partir de números do Departamento de Serviços Humanos e Sociais, que em 1999 mais de 25% das crianças (aproximadamente 17 milhões na época) não viviam com o pai. E registram as tristes estatísticas sobre essa população: meninas sem pai têm quase três vezes mais propensão a engravidarem na adolescência e 53% mais chances de cometerem suicídio. Meninos sem pai têm 63% mais probabilidade de fugirem de casa e 37% mais chances de utilizarem drogas. Meninos e meninas sem pai têm duas vezes mais chances de abandonarem a escola; de acabarem presos; e aproximadamente quatro vezes mais chances de necessitarem de cuidados profissionais relacionados a problemas emocionais e/ou de comportamento socialmente inadequado.
O divorcismo começou a mostrar suas garras no Brasil?
Finalmente, parece que um órgão oficial começou a reconhecer problemas sociais gerados com a cultura divorcista. Dizendo estar preocupada com os filhos do divórcio, a Escola Nacional de Mediação e Conciliação (ENAM), criada para tentar reduzir processos e conflitos judiciais, entidade ligada ao Ministério da Justiça e ao Conselho Nacional de Justiça, publicou recentemente a “Cartilha do divórcio” nas versões para pais e filhos. Vejamos o que é dito na página 9 da Cartilha dos pais.
Observamos que, embora esta cartilha refira-se ao “divórcio”, ela também se aplica ao término de qualquer relacionamento amoroso que tenha resultado no nascimento de filhos, independentemente de ter havido casamento civil ou não, já que o que motiva a nossa preocupação não é a mera mudança do estado civil dos pais, mas o rompimento do convívio entre eles e os conflitos daí advindos, que podem afetar negativamente o desenvolvimento dos filhos. (grifos nossos)
Apesar dos supostos esforços da “ENAM”, quem conhece o cotidiano de casais separados e com filhos sabe que, infelizmente, são poucos os pais que se empenham para atingir o citado objetivo. A nosso ver, a principal causa do problema é a indisposição quase generalizada em evitar as separações conjugais e lutar contra a cultura divorcista. Assim mesmo recomendamos a leitura destas cartilhas, principalmente para aqueles que não são divorciados e para os solteiros.
A Cartilha do divórcio para os pais, da “ENAM”, faz apontamentos que confirmam as conclusões dos autores norte-americanos sem, no entanto, fazer referência a números no Brasil. Entre suas reflexões voltadas para a importância de os pais separados manterem uma parentalidade saudável, o documento registra: “As estatísticas mostram que o número de jovens que cometem delitos é maior entre os que foram criados longe do pai.” (ENAM, 2013, p.80). Paradoxalmente a cartilha define o divórcio como um acontecimento “normal” (p.11). Oportunamente voltaremos a falar sobre isso.
Números próximos aos dos autores norte-americanos também foram identificados na época do estudo da Drª. Wallerstein. Vejamos um dos resumos que ela faz depois de registrar os sofrimentos individuais de alguns desses filhos do divórcio.
Em nosso estudo, um em cada três rapazes e uma em cada dez garotas entre os dezenove e os vinte e três anos haviam se tornado delinquentes dez anos após o divórcio dos pais, isto é, expressavam sua raiva através de uma série de atividades ilegais, tais como assalto, arrombamento, incêndio culposo, tráfico de drogas, roubo, embriaguez ao dirigir e prostituição. Muitos já tinham se envolvido em algumas dessas atividades mesmo antes dos dezoito anos; um número assustador, porém, continua com esse comportamento delinquente até depois dos vinte anos. (WALLERSTEIN, 1991, p.215)
Nesse caso específico, eles são filhos de classe média, e a autora também chama esse comportamento revoltoso de “efeito retardado do divórcio”. Imaginemos o quanto a sociedade seria poupada se casos como esses inexistissem ou fossem consideravelmente minimizados, ou seja, se pudéssemos reverter a atual cultura divorcista que acaba sendo mais nociva para as famílias pobres.
Consideremos quantos imóveis públicos ou privados deixariam de ser depredados ou destruídos, quantas pessoas seriam poupadas de assaltos ou estupros, quanto seria reduzido o consumo de drogas entre os jovens etc., se o divórcio deixasse de ser visto como “acontecimento normal” e voltasse a ser caso excepcional. Alguns podem considerar isso um sonho impossível, mas é um dos objetivos do Deus de Jesus Cristo, o Único capaz de realizar impossíveis. O leitor já deve ter entendido o porquê de Deus odiar o divórcio, pois esta é uma experiência que quase sempre traz muito sofrimento, principalmente aos filhos.
No próximo artigo continuaremos a falar sobre outras desordens sociais causadas pelas separações conjugais, fenômeno constantemente veiculado pela mídia como sendo meramente privado e sem grandes consequências. Entre as muitas mentiras da contemporaneidade, talvez esta seja a mais nociva.
Para quem tem um casamento dentro da vontade de Deus, vale lembrar diariamente que isso não o faz superior aos divorciados. Famílias que escolheram fazer a vontade de Deus devem ser o “porto seguro” para aqueles que se cansaram de sofrer com o divórcio, não importando o tipo ou tamanho do problema que vivam. O amor transformador de Jesus Cristo está disponível para todos.