“Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança…”
(Gn 1.26).
O Senhor Jesus disse que da abundância do coração fala a boca. Deus também tem coração e boca, então quando abriu a boca acerca do homem, já no início, começou a abrir seu coração. E essas primeiras palavras já contêm o DNA do seu propósito eterno, tudo aquilo que vai se desenrolar ao longo do que podemos chamar a história sagrada. Neste versículo de Gênesis, esconde-se uma semente original, princípios que posteriormente Deus foi revelando aos seus servos e onde se pode encontrar a essência de Cristo, o reino e a igreja.
“Também disse Deus…” [ênfase acrescentada]. Essa palavra, traduzida por “também”, cuja versão em espanhol é “então”, no hebraico possui só uma letra, a letra ו (vav ou waw), que se coloca como prefixo do resto da palavra. Há nesta letra, nesse sentido de “também” ou “então”, muitas implicações ocultas que vão se revelando progressivamente. Deus estava esperando poder dizer “também”, “então”. Essa decisão, um grande risco que Deus resolveu correr, agora tomada em público e pronunciada diante de toda a criação, diante de anjos, potestades, tronos, principados, já estava no segredo eterno de Deus – não se tratou, portanto, de um improviso – e é anterior até mesmo à rebelião de Lúcifer, que nem imaginava, quando ousou ser semelhante ao Altíssimo, que Deus já tinha resolvido fazer o homem conforme a sua semelhança.
A edificação de Deus baseada na revelação do seu relacionamento intratrinitário
A revelação do Senhor está relacionada com o seu trabalho. Deus revela para edificar. A edificação de Deus, que é uma edificação viva, orgânica, deu-lhe um organismo vivo, e essa edificação está baseada na revelação. Podemos ver isso em Mateus 16, quando Jesus faz umas perguntas aos discípulos e Pedro dá-lhe uma resposta graças à intervenção de Deus: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo”, após o que Jesus adverte: “Sobre esta rocha edificarei a minha igreja”. A edificação de Deus é sobre a base de uma rocha, aquele Cristo como revelado a Pedro, a esta pedra, e a todas as outras pedras que, junto com Pedro, formam a igreja, a família e o reino de Deus. Esse reino é edificado à medida que Cristo é revelado. Podemos ficar seguros: Deus vai terminar o que ele começou a fazer. A garantia está naquilo que o Pai, o Filho e o Espírito mesmo disseram: “Façamos…”. Ninguém vai impedi-los.
A propósito, o que Deus quer fazer tem a ver com sua natureza trinitária. Vejamos. “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança…” [ênfases acrescentadas]. Aqui aparecem as palavras “imagem” e “semelhança”, no singular, mas a palavra “nossa”, que as acompanha, está no plural. Aparece o verbo “disse”, no singular, mas o sujeito que realiza a ação de dizer, Deus, é apresentado na forma plural do hebraico, Elohim. O nome Elohim podia-se dizer El simplesmente. Noutros lugares, aparece El ou Eloah, Javé ou simplesmente Ja, que são singulares. Mas em Gênesis 1.26, na primeira vez que o nome de Deus surge, temos o único Deus falando em pluralidade, ou seja, em família, porque o modelo e conteúdo para realizar a família é a Trindade. Não se registrou: “Disseram os deuses”, mas “Disse Elohim”, a forma genérico-familiar do nome de Deus.
Ele sempre foi Deus trino. O Deus da Trindade é o Deus eterno e imutável. Embora a economia divina se mostre uma atividade de Deus, uma revelação e um dar-se progressivos de Deus, em essência Deus não é progressivo, mas eterno, imutável. “Eu, Javé, não mudo”(Ml 3.6). Não há mudança nem sombra de variação em Deus (Tg 1.17). Deus é tão perfeito que não pode ser mais aperfeiçoado. Ele tem atributos incomunicáveis, dos quais não podemos participar, que têm a ver com sua essência e pertencem somente a ele. Mas Deus tem também atributos comunicáveis, que fazem parte de sua natureza, dos quais ele deseja que participemos como filhos, como igreja, por isso no-los revela. Na revelação de Deus, há o dar-se de Deus, e no dar-se de Deus, há revelação.
Deus quis representar-se de forma coletiva, desde o início, porque ele é a essência da família. Quando conhecemos a Deus por Cristo no Espírito, então conhecemos o que é família, logo o que é igreja e, em decorrência, a possibilidade de a sociedade ser salgada, de o reino entrar na sociedade pela igreja, pela família, pela Trindade. A Trindade, de onde tudo se origina, é expressa na família, na igreja e no reino. Somente conhecendo o relacionamento intratrinitário do Pai com o Filho no Espírito é que vamos conhecer qual o propósito dele com a família e com a igreja, que é a sua família. A igreja é a família de Deus formada pelas famílias dos homens que receberam o Pai e o Filho no Espírito – o Espírito comum do Pai e do Filho.
Deus não descansou até fazer o seu melhor
Finalmente Deus chega a esse “então”, a esse “também”, porque ele já tinha feito muitas coisas, mas não aquilo que sabia ser o melhor que poderia fazer. Através de Tiago, Deus nos ensina que “aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando” (Tg 4.17). Temos aqui um ensino sobre o pecado da omissão, que é não fazer o melhor quando sabemos e podemos realizá-lo. Concordam com isso as palavras de Jesus ao defender uma mulher, depois de ela ter sido acusada de estar desperdiçando um perfume caríssimo ao derramá-lo sobre ele: “Ela fez o que pôde” (Mc 14.8). Deus espera que façamos o melhor que podemos. O melhor que sabemos nós podemos realizar. Esse é o imperativo moral que provém da natureza divina. Assim, se Deus disse que nós, homens, suas criaturas, temos que fazer o melhor que sabemos e podemos, acaso o mesmo Deus ficaria tranquilo se não se decidisse a fazer o melhor?
Por isso graças a Deus por esse verso 26 de Gênesis 1: “Também disse Deus: Façamos…”. Ele já tinha feito formosos serafins e querubins, veneráveis anciãos dos tronos celestiais, galáxias incontáveis que até hoje não foi possível ao homem conhecer… Mas assim como Adão, que embora cercado de animais apreciáveis, não estava tranquilo, pois lhe faltava alguém como ele mesmo para lhe fazer companhia, Deus também não estava tranquilo. Esperava por esse “então” para poder dizer “Façamos…”. Até o sexto dia, antes de fazer o homem, Deus não descansou. Foi só depois de falar “Façamos…” e começar a colocar em andamento o que pretendia, que ele descansou. Ele não conseguiria antes de fazer o melhor que sabia e podia.
Deus não desconhecia tudo o que estava implicado ao fazer o homem, quanta dor aquelas palavras de Gênesis 1.26 lhe custariam ao coração, no entanto foi em frente. Fez o homem pessoa, dotado da capacidade de escolher. Ora, mas já havia outras pessoas: além do Pai, do Filho e do Espírito, que são pessoas divinas, existiam os querubins, os vinte e quatro anciãos celestiais, os serafins, principados, potestades, anjos grandes e pequenos. Eram pessoas, podemos dizer, do mundo invisível, angelical, mas que ainda não eram feitas à imagem nem à semelhança de Deus. Vale notar que quando Deus fez os animais, criou alguns deles à imagem de certos querubins e serafins, pelo menos semelhantes ao rosto desses seres celestiais (Ap 4.7). Ou seja, os animais foram feitos como representando criaturas de Deus, do mundo espiritual, mas não o próprio Deus. Isso estava reservado ao homem.
Tendo criado o homem à sua imagem e semelhança, Deus descansou. É verdade que depois de descansar da criação, Deus sabia que teria de trabalhar de novo na redenção. Mas esse outro trabalho também já estava previsto e escondido naquela palavrinha “Façamos…”, segundo a qual cada pessoa da Trindade teria uma parte a cumprir, depois do que haveria descanso ao coração divino em virtude de terem decidido fazer juntos o melhor. E essa decisão, esse “também” foi algo muito valente da parte de Deus. Era só Deus abrir a boca e uma guerra terrível começaria. Aliás, desde o princípio ele anunciou esta guerra: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente” (Gn 3.15). Deus decidiu que aquela mulher e sua semente pelejassem nessa guerra porque isso glorificaria a Deus e mostraria o seu poder. Onisciente, Deus poderia ter evitado criar o querubim e as pessoas que o querubim caído arrastaria para o inferno. Assim, ver-se-ia livre de muitos dissabores que acabaram por encaminhá-lo à cruz. Mas “pelo gozo que lhe estava proposto suportou a cruz, desprezando a ignomínia…” (Hb 12.2).
Deus correu risco, mesmo sabendo que teríamos que assumir responsabilidades. Ele dispensou-nos sua graça para nos capacitar a fazer aquilo que era devido porque Deus nunca cogitou fazer sem nós. Sua graça está aí para apresentar perfeito em Cristo Jesus todo homem, apesar de termos herdado a corrupção. A graça produz o querer e o realizar, mas produz isso em nós, conosco. A graça nos capacita para a responsabilidade, nunca a retira. Sem graça é impossível, mas sem nós Deus não quer. Sem nós, Deus ficaria solteiro. E Deus há muito planejou ter uma esposa.
O Pai e o Filho no Espírito: causa primordial e essência da família, da igreja e do reino
O Pai nada faz sem o Filho. Temos a possibilidade de conhecer a Deus como amor porque ele tem um filho, o Filho do seu amor (Cl 1.13). E o Pai e o Filho estão no mesmo Espírito. Assim é que conhecemos a Deus. O Pai nada quis fazer sozinho, senão com o Filho, pelo Filho, no Filho e para o Filho. Essa é a natureza do amor eterno de Deus. Ele abre mão de todo o direito de ser o centro quando escolhe fazer tudo para o seu Filho. E o Filho não faz nada para ficar no centro: por sua vez e ao mesmo tempo, o Filho faz tudo para o Pai. O Pai só está pensando no Filho, e o Filho está pensando no Pai.
Quando Provérbios 8 fala da sabedoria de Deus, que é o Filho, menciona que o Filho é o arquiteto de Deus antes de todas as coisas (Pv 8.30). O Pai, que é a pessoa mais sábia que existe, que não precisa da ajuda de ninguém, não quis fazer nada sem planejar junto com o seu Filho. Com o mesmo espírito age quem conhece a Deus: não fica tranquilo se não faz em união com ele, da mesma forma que ele faz, com o mesmo sentimento dele, representando-o precisamente, sem ir além nem ficar aquém.
Se não compreendemos qual é a essência do reino de Deus, a obediência transparente, gozosa do Filho, não entenderemos o que é o reino, nem o que é a igreja, nem o que é a família. Só a Trindade nos constitui família, igreja e reino. E essa Trindade é o Pai e o Filho no mesmo Espírito, o Espírito do Pai e do Filho [filioque, cujo significado é “e do filho”, expressão latina que a igreja acrescentou a um de seus credos significando que o Espírito também procede do Filho, tanto quanto se acredita que ele procede do Pai]. Espírito do Pai e do Filho, o mesmo Espírito. Assim como o Filho é a imagem do Pai, na qual ele se reconhece, o Pai se sente perfeitamente representado no Filho. E o Filho é livre, mas disse ao Pai: “não faço nada por mim mesmo”. A alegria do Filho é agradar ao Pai. E a alegria do Pai é glorificar o Filho.
Podemos ver na Palavra de Deus que o Espírito Santo é também apresentado como o Espírito do Pai e do Filho. O Senhor Jesus disse aos discípulos que não ficassem preocupados quanto ao que haveriam de falar quando fossem levados diante dos magistrados, pois naquela hora lhes seria dada a palavra: “visto que não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é quem fala em vós” (Mt 10.20). Jesus, portanto, falou do “Espírito de vosso Pai”. Romanos 8 também menciona o Espírito daquele que levantou Jesus dos mortos, que mora em nós. Aquele que levantou Jesus dos mortos é nosso Pai, logo temos o “Espírito de nosso Pai”. Mas esse mesmo que é chamado o “Espírito do Pai” também é chamado o “Espírito do Filho”: “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4.6). Filipenses 1.19 e 1 Pedro 1.11 falam do “Espírito de Cristo” e Atos 16.7 faz menção ao “Espírito de Jesus”. Os textos são bem claros e vêm ao encontro do que estamos dizendo: o Espírito Santo é o Espírito comum que provém do Pai e do Filho.
E esse Espírito, esse mesmo Espírito do Deus trino, é que possibilita à igreja ser igreja. Igreja nunca será igreja, como família nunca será família, como sociedade nunca será reino senão graças ao Espírito. Não é com exército, não é pela força, é pelo Espírito. Se alguém conhece a Deus em Trindade pelo Espírito, se o Espírito comum do Pai e do Filho, o Espírito Santo, vem a nosso espírito, temos revelação de quem é Deus e do que é família. A família é o homem coletivo criado por Deus para o representar, porque Deus nada faz senão em família (“Façamos…”).
A imagem de Deus é o Filho
“Façamos o homem à nossa imagem…”. A Palavra de Deus diz claramente em muitos lugares que a imagem do Deus invisível é o Filho. A Palavra “imagem”, como uma representação fiel, aplica-se somente ao Filho. Ele é “a imagem de Deus”, como diz 2 Coríntios 4.4; “a imagem do Deus invisível”, de acordo com Colossenses 1.15. A palavra exata é hipóstasis, do grego, que significa o “caráter da sua subsistência”. Essa palavra caráter remete à exata reprodução. Pode-se exemplificar isso com o funcionamento do teclado de uma máquina de escrever ou de um computador. Alguém pressiona a letra ou o caractere “a”, e imediatamente tem sua representação exata no papel ou na tela do monitor. Hebreus 1.3 fala do Filho como o resplendor da glória e a expressão exata do ser de Deus.
Quando Deus – e esse quando não é um tempo, tampouco tem progresso; é eterno, é uma função interna de Deus, pois Deus se conhece a si mesmo desde a eternidade – quando Deus gera uma imagem de si mesmo na qual ele se reconhece e pela qual ele mesmo se revela, ele diz: “Eu sou o que sou”. Para Deus dizer “Eu sou o que sou”, ele tem que se conhecer. E quando se revela, quando se reconhece, dizendo “Eu sou o que sou”, nesta expressão está implícito o Verbo, que é a imagem expressa de Deus. É a Palavra que expressa a plenitude de Deus.
Cada palavra expressa alguma coisa. Mas há uma palavra que expressa a plenitude de Deus, e essa palavra é o Verbo de Deus, que, antes de ser Palavra, é um conceito fiel de Deus que ela vai expressar. “Eu sou o que sou”. Ele falou duas vezes “sou”. “Eu sou…”: aqui temos a revelação; “… o que sou”: isso é Deus sendo e se conhecendo eternamente e gerando não no tempo ou no começo, mas sendo acompanhado eternamente da imagem que Ele tem de si mesmo, o seu Verbo, seu Unigênito, gerado no autoconhecimento eterno de Deus, aquele Verbo, aquela imagem que Deus tem de si mesmo, na qual ele se reconhece a si mesmo. Esse é o Verbo de Deus. Esse é o Filho unigênito de Deus. Deus quis que assim como ele tem vida em si mesmo, seu Filho também tivesse vida em si mesmo. E esse Filho, estando na condição de Deus, fez-se homem.
Então a imagem de Deus é a sua exata reprodução: esse é o modelo do homem. Quando Deus fala “Façamos o homem à nossa imagem…”, essa imagem é o Filho. Não o Filho depois da criação, mas antes dela, o Filho preexistente, coexistente e também coinerente com o Pai. O termo teológico para essa coinerência é pericoresis (do grego) e se refere a como as pessoas divinas estão umas nas outras e se interpenetram: o Pai está no Filho, o Filho está no seio do Pai, e aí está o Espírito. Assim é Deus.
A família, o reino e a igreja como representação da vida da Trindade
O Espírito tem que eventualmente tocar nosso espírito e aí compreendemos a igreja, o reino e, portanto, também a família, porque o mistério de Cristo e a igreja é expresso no mistério da família. Efésios 5 intercala esses dois mistérios, um como subsidiário e expressão do outro. Há como conhecer de que modo Cristo amou a igreja. “Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne” (Ef 5.31): por causa do mistério de Cristo e a igreja. A família foi feita, de certa maneira, por causa do mistério de Cristo e a igreja. Isso foi expresso na família. A essência da constituição e missão da família é o mistério de Cristo e a igreja. Por causa desse mistério, a família é como é. A família fornece subsídios para a compreensão do mistério de Cristo e a igreja.
Deus, Cristo e a igreja se representam na família. Quando Deus falou “Façamos…”, mostrou como é Deus. Nada do que foi feito aconteceu sem o Verbo. Ele estava com Deus. O Verbo preexiste eternamente com o Pai. Nada o Pai planejou sozinho. Tudo planejou com o Filho. O Pai sequer quis ser conhecido diretamente; ele o fez através do Filho. A revelação de Deus é pelo Filho. Ninguém conhece o Pai senão o Filho. O Pai delegou a arquitetura ao Filho. Nada planejou sozinho. Como nós vamos planejar sozinhos? Como o homem vai planejar coisas sem sua mulher?
O Pai faz tudo para o Filho, e o Filho só quer agradar ao Pai. Um vive em função do outro e os dois estão no mesmo Espírito. E os três juntos são um só Deus. Isso é a Trindade, e é dela que vem a dinâmica da família, da igreja e do reino. Isso é civilização, e não aquilo que nós chamamos de civilização ao observar o que gregos, romanos, babilônios ou persas construíram. A isso Deus chama bestialidade. Civilização é a Trindade, mas não a Trindade somente lá na eternidade: a Trindade na igreja, na família, no reino.
Essa palavra “nossa imagem” só se aplica ao Filho. Não há nenhum versículo que diga que o Pai é imagem de Deus. O Pai é chamado de Deus invisível, mas o Filho o fez conhecido. Embora não seja imagem, o Pai pode dizer sem temor “nossa imagem”, pois tem um Filho que só deseja agradar-lhe e o representa como uma testemunha fiel e verdadeira. O Espírito também está incluído e falando a mesma coisa: “Disse Elohim [a Trindade]: Façamos [cada um dos três fará a sua parte] o homem…”.
Deus não disse que faria “um” homem, como se fosse uma tentativa, mas “o” homem. Era um plano definitivo do qual não haveria inimigo que o faria desistir. Ao decidir “Façamos o homem…”, Deus não tinha em vista apenas Adão, o marido de Eva. Estava falando de um homem coletivo, o gênero humano, um homem para encher em família toda a terra, um corpo que representasse a Trindade e para quem seria delegado o reino, o domínio.
O verdadeiro governo é a representação, mas não há como representar Deus sem que estejamos no mesmo Espírito com ele. Por isso o amor de Deus foi derramado em nossos corações (Rm 5.5): para que o representássemos e governássemos em seu nome, juntamente com ele, de sorte que o que nós falamos, ele faz, e o que ele faz nós falamos. Isso só é possível se andarmos no Espírito Santo, que é comum ao Pai e ao Filho, que é a realidade do amor intratrinitário: o Pai ama o Filho, o Filho é o amado do Pai – o Filho do seu amor, que, por sua vez, corresponde à plenitude desse amor. E esse amor pleno, compartilhado e vivido é o Espírito do Pai e do Filho, que é derramado em nossos corações.
Essa é a realidade da igreja representada em suas famílias. Esse é o canal do reino e a maneira de Deus governar. E por isso a verdadeira obra de Deus não é a obra que faz a carne do homem, pois “a ira do homem não produz a justiça de Deus” (Tg 1.20). Não é com exército nem com espada. Assim funciona o reino dos homens, não o do Senhor. O reino do Senhor é dar lugar ao Espírito do Deus trino. Não com exército. Assim não se governa. Não com espada, mas com o Espírito. Isso é civilização, isso é Betel: o Deus da glória descendo num tabernáculo de reunião, a arca da aliança presente. As palavras-chave são reunião e aliança. Isso é que é igreja, e essa esfera do reino de Deus, que é o Filho, passa ao corpo de Cristo na maneira de famílias que representam esse mistério.
Eis o início do reino, da primeira parte do reino. Depois virá outro aspecto, mas reino, igreja e Cristo são o mesmo organismo vivo da Trindade. Fora da Trindade, fora do Pai e do Filho no Espírito, não há verdadeira família. Família tem que ser restaurada dando lugar ao Espírito do Deus trino, em Cristo. “Meu Pai e eu viremos para fazer morada” (citação livre de Jo 14.23), disse o Senhor Jesus. Ele enviou outro Consolador, mas o outro Consolador não vem sozinho. “Meu Pai e eu viremos e faremos morada com ele”. Começa, sim, pelas pessoas, e essas pessoas se encontram incluídas nesse amor eterno de Deus.
O novo homem conforme o Filho para que o reino encha a Terra
Depois vem esta outra palavra: “Façamos… conforme…” [ênfase acrescentada]. Esta palavra “conforme” é a que mais dói, porque nós temos outra forma, a nossa maneira, que não é a forma de Deus. A forma de Deus é o Filho. Então os dedos de Deus nos conformam, nos metamorfoseiam. Se não conhecemos a Deus em Trindade, não vamos nem ser homens. Ou melhor, somos homens, mas velhos homens, que Deus deseja transformar no novo homem criado na justiça e santidade da verdade. Esse novo homem é o corpo de Cristo, esse homem corporativo (“Façamos o homem…”) que vai cumprir o propósito de Deus.
A humanidade existe para que exista a igreja, e a igreja existe para que a Trindade se expresse. Deus deseja uma noiva para seu Filho: “Far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea” (Gn 1.18). Não como a girafa, a vaca ou qualquer outro animal, mas como aquela que, afinal, é “osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada” (Gn 2.23). Essa é configurada, conformada, o que explica Paulo ao escrever: “Porquanto, aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem [“Façamos…”] conformes à imagem de seu Filho…” (Rm 8.29).
No Filho, o Pai se sentiu representado: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi” (Mt 17.5). Então somente depois – não antes –, Deus diz: “Domine…”. Aí é que a civilização enche a terra. Esse é o domínio, mas não pode ser domínio sem estar no mesmo Espírito do Pai e do Filho. É questão de Espírito. Muitas coisas não se fazem no espírito correto. O que não se faz no Espírito do Pai e do Filho não é legítimo, não é edificação de Deus. A edificação de Deus é o agir do Espírito, glorificando o Filho, revelando o Filho, formando o Filho, configurando-nos, conformando-nos a ele.
E nessa configuração nós vamos sendo representantes e testemunhas, canais do mesmo Espírito dele, na mesma onda dele, no mesmo propósito, e então o reino de Deus, a esfera dele, que é seu Filho, pelo corpo, pelo homem coletivo, novo, passa a ser estendido por toda a Terra.
Sobre o autor
O irmão Gino, como é conhecido, vive em Teusaquillo, Bogotá, com sua esposa Mirian; tem sete filhos e duas netas. Ministra a Palavra na Colômbia e também em igrejas e conferências em outros países, inclusive no Brasil, desde 1978. É autor de vários livros, alguns dos quais podem ser encontrados em seus blogs: http://es.netlog.com/giv1, em português, e http://exegiv.zoomblog.com/, em espanhol.