Este artigo é o décimo segundo de uma sequência sobre dons proféticos, assunto que o autor vem pesquisando desde 2002 e compartilhando em muitos lugares.
Tudo aconteceu numa reunião com algumas pessoas do movimento de discipulado em Campinas SP. Uma brisa suave do Espírito Santo foi conduzindo todo o povo em oração e adoração e, quando olhei para uma irmã, que estava grávida, vi nitidamente a imagem de uma criança. Permaneci em oração perguntando a Deus o que significava aquilo, pois embora eu já houvesse recebido em outra circunstância uma visão semelhante, não podia achar que o significado seria sempre o mesmo. O Senhor me disse que estava levando aquela mulher até a sua infância e que começaria tudo de novo com ela, conduzindo-a por caminhos novos e seguros, curando suas feridas emocionais mais profundas. Mas eu não entendia bem esta mensagem (pois não conhecia sua vida particular nem o que aconteceu em sua juventude), e tudo parecia muito estranho para mim, pois tenho uma grande admiração por aquela irmã e seu esposo, os dois muito firmes em Deus. Ao ouvirem o que eu dizia, os olhos de ambos se encheram de lágrimas e expressaram certa ansiedade em confirmar tais palavras, exatamente as mesmas que Deus estava falando ao coração do casal naqueles dias. E eu continuei sem entender nada…
Estamos no 12º artigo e já aprendemos a reconhecer quando Deus está falando e a interpretar o que Ele está dizendo para podermos profetizar com eficiência. Outro fator importante a ser considerado, além de ouvir a voz de Deus e de interpretar a revelação, é saber como entregar a palavra profética, de modo que esta incumbência honre ao Senhor e ao Seu povo. Muitos erros também podem ocorrer nesta fase do processo de ministrar profeticamente.
A forma como uma palavra profética é entregue é tão importante quanto receber a revelação de Deus e interpretar os símbolos que fazem parte dela. Hoje em dia existe um costume profético de falar de forma imperativa, usando expressões como “meu servo”, “assim diz o Senhor” ou conjugar o verbo nas segundas pessoas, usando os pronomes “tu” e “vós”. Este hábito deve ser evitado se quisermos ser usados por Deus de forma abençoadora, pois coloca o profeta numa posição de destaque, o que é completamente inadequado ao ministério profético. Estas expressões eram usadas no Velho Testamento, quando os profetas tinham autoridade absoluta e falavam como se fossem o próprio Deus. A partir do Novo Testamento, e em nossos dias, as profecias precisam ser julgadas, examinadas, pois contêm uma parte divina, mas também um elemento humano. Também não podemos esquecer que o profeta é a parte menos importante do processo. Ele não deve trazer sobre si uma importância acima do que convém no processo de revelação (1 Co 8.2; 13.4; Gl 6.3). Deve acontecer com as profecias o mesmo que acontece quando uma moça recebe uma carta apaixonada e não para de pensar no rapaz que a enviou, sem nem se lembrar de quem a entregou. Deus e a pessoa que recebe a profecia são importantes no processo – o profeta faz apenas o papel do carteiro.
Parâmetros para edificação e encorajamento
Para que nossa profecia não seja para destruição, mas para edificação (2 Co 10.8; Mt 18.6), devemos ter consciência de que existem alguns limites ou níveis que precisam ser respeitados, para fluirmos com total segurança, a saber:
1. Nível de autoridade (2 Co 10.13-15; Hb 13.17; 1 Cr 25.1-7)
Deus estabeleceu um plano de autoridade e responsabilidade em Sua igreja, o qual precisamos respeitar. A autoridade não está relacionada com a revelação, mas com a responsabilidade que a pessoa tem sobre outras vidas. Muitas pessoas causam problemas na igreja quando profetizam em áreas nas quais não exercem responsabilidade, estando além do seu limite de autoridade (da mesma forma que um vizinho não tem autoridade para disciplinar nossos filhos, pelo fato de não ter responsabilidade direta sobre eles; pode, contudo, nos alertar para o problema que viu, ficando ao nosso critério o que fazer a respeito).
Algumas pessoas pensam que, por serem usadas profeticamente, possuem autoridade sem fronteiras na igreja, podendo profetizar a respeito de qualquer assunto, pois falam em nome de Deus – esta atitude é arrogante e soberba. O relacionamento que temos com a pessoa para a qual recebemos a palavra deve direcionar as diferentes maneiras como a abordaremos (a profecia para um amigo, para alguém que tem responsabilidade sobre nós, para alguém sobre quem exercemos autoridade, para um idoso ou uma senhora será entregue de maneiras diferentes).
Um exemplo clássico é quando alguém tem uma revelação genuína que diz respeito a uma pessoa que está sendo chamada para o ministério de liderança e este alguém não possui autoridade sobre a pessoa comissionada. Aliás, não cabe ao profeta eleger os líderes na igreja, e sim à liderança local, que está acompanhando de perto os escolhidos. Se a palavra for entregue diretamente, pode gerar os seguintes problemas:
- Ao entregar a palavra em público, todos vão julgar tomando partido (uns apoiando o “novo líder”, e outros se posicionando contra ele), gerando problemas para os responsáveis;
- A palavra pode ser verdadeira, mas não estando na hora de se cumprir, vai gerar impaciência na pessoa que terá conflitos com a liderança, podendo até se rebelar e querer sair para montar sua própria igreja;
- Você pode errar na interpretação ou aplicação, mesmo tendo recebido uma revelação verdadeira.
Nesse caso, o risco seria muito maior que os benefícios pela entrega da revelação. A palavra, contudo, deverá ser entregue aos líderes locais, que atentarão a ela, ou virá como confirmação do que Deus já havia colocado em seus corações.
2. Nível de revelação (Jr 23.28)
O nível de revelação vai influenciar diretamente na decisão que a pessoa vai tomar após receber a profecia, pois isto também está relacionado com o nível de autoridade da palavra. Se você recebe uma profecia para largar o emprego e mudar de cidade, através da visitação de um anjo, ou do próprio Senhor, esta palavra terá um peso bastante diferente do que a mesma palavra recebida através de uma impressão profética, na forma de um pensamento que veio à mente do profeta.
Para que as pessoas possam julgar nossa palavra e tomar atitudes corretamente, precisamos informar como recebemos a revelação, pois esta deve ser entregue no mesmo nível em que foi recebida. Uma impressão profética entregue como se fosse recebida por uma voz audível de Deus serve mais como pedra de tropeço do que para edificação.
Caso o profeta tenha dúvidas acerca da palavra, deve entregá-la, porém deixando claro que está com dúvidas. Este fato não vai tirar a autoridade da profecia, pois o Espírito Santo testificará no coração da pessoa que é Deus quem está falando intimamente com ela. Na realidade, a maioria das profecias tem um grande percentual de dúvida da parte do profeta.
3. Nível de compreensão (Jr 23.30-31)
Muitas pessoas que recebem uma revelação, e não compreendem bem o seu significado, são tentadas a incluir detalhes além do que de fato receberam, gerando confusão que pode impedir o aproveitamento da mensagem. Se não recebermos uma interpretação, não devemos criar uma, “turvando a água” que a pessoa vai beber. O correto é entregarmos apenas aquilo que o Senhor nos deu. Como o profeta é apenas o carteiro, não tem obrigação de saber como anda a intimidade entre Deus e quem recebe a palavra, e na maioria das vezes, a pessoa demonstra uma emoção profunda, e o profeta fica sem entender nada do que está acontecendo. Ao longo dos anos pude perceber que Deus não tem interesse em expor publicamente a intimidade de quem Ele ama nem de revelar pecados que venham a constranger quem recebe Sua palavra. Por isso, não devemos nos preocupar nem mesmo em entender a profecia que entregamos.
4. Nível de fé (Rm 12.6)
Embora Deus possa nos usar profeticamente no nível que Ele quiser, o que geralmente acontece é crescermos gradativamente em qualquer área da graça. Começamos em um nível baixo de revelação, com coisas bem simples, e depois vamos crescendo em detalhes. Jamais devemos nos calar, mesmo em revelações muito simples, como dizer: “o Senhor está neste lugar”. Com um pouco mais de sensibilidade, podemos também dizer: “o Senhor está aqui para curar os feridos de alma”. Numa terceira vez você já impõe as mãos sobre os irmãos e ministra a cura! É assim que funciona.
Por outro lado, também devemos profetizar com fé, andando na ótica do sobrenatural e na perspectiva do milagre. Ao receber uma palavra de conhecimento sobre uma enfermidade ou atuação demoníaca, não devemos revelar apenas isso à pessoa, mas crer que Deus quer curar e libertar, usando-nos para tal. Saberemos que Deus falou realmente conosco após vermos o milagre realizado.
5. Amor (1 Co 8.1; 13.2; Ap 19.10)
Nunca devemos esquecer que estamos ministrando uma palavra de Deus aos Seus filhos e que devemos estar motivados pelo Seu amor. Muitos acreditam que os profetas são pessoas enérgicas que exercem juízo sobre multidões, e isto é uma ideia distorcida. Não devemos comunicar apenas a palavra de Deus, mas também expressar o que está em Seu coração.
Um fato interessante ocorre em 1 Coríntios, no qual lemos o capítulo 12 e o 14 que falam de dons espirituais e, entre eles, o 13 que fala de amor – talvez Deus queira dizer que os dons, dos capítulos 12 e 14, precisam fluir nos trilhos do amor, do capítulo 13.
6. Esperança (1 Co 13.13; Ez 18.32; Ml 3.21-23)
Além da edificação, encorajamento e consolo, Paulo cita três virtudes que são eternas: a fé, a esperança e o amor. A palavra profética, além de ser entregue com fé e amor, precisa trazer esperança, para que seja eterna em sua natureza. Deus é misericordioso, longânime e deseja que todos os homens andem em Seus caminhos e sejam abençoados.
7. Humildade (Is 42.1-3)
O espírito da profecia é o amor, expresso com humildade. Jesus é o modelo para qualquer pessoa que queira fluir profeticamente.
Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz; pus sobre ele o meu espírito, e ele promulgará o direito para os gentios. Não clamará, nem gritará, nem fará ouvir a sua voz na praça. Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega; em verdade, promulgará o direito. (Is 42.1-3)
Não esmagar a cana quebrada e não apagar o pavio que fumega é não ser rude, é não terminar de destruir o pouco que restou de vida espiritual na pessoa, mas trazer um novo ânimo àqueles que chegaram a uma situação bem difícil. Jesus pode recuperar aquilo que parece não ter esperança.
Humildade prática
Ao profetizar, não devemos intimidar as pessoas. Se a pessoa estiver sentada, nos agachamos para não profetizar de cima para baixo. Devemos sorrir, para comunicar o amor de Deus. Ao impor as mãos ou orar por alguém, devemos pedir permissão, deixando claro que ele está no comando (as pessoas já sofreram abusos de todos os tipos, e não temos o direito de invadir áreas que elas não nos permitem). Se vamos orar para uma libertação, devemos deixar claro que estaremos sendo duros contra o inimigo, e não contra a pessoa.
Todos estes pontos abordados não devem simplesmente fazer parte de uma lista de regras de quesitos proféticos que procuramos seguir. Eles dependem de nossa vida diária com Deus, de um relacionamento com Ele, para o qual fomos chamados. À medida que deixamos estes princípios fazerem parte de nossas vidas, seremos usados por Deus em porções cada vez maiores da Sua graça profética.
[Maiores esclarecimentos poderão ser obtidos diretamente com o autor, por meio do seguinte endereço: ezequielnetto@itelefonica.com.br].
Baseado em “Todos podem profetizar”, de Steve Thompson
Para ler outros textos deste autor, acesse: www.ezequielnetto.blogspot.com