É relativamente grande, ao longo das Escrituras, o número de interações de Deus com o homem, estando este às voltas com as peculiaridades do mundo do emprego. Não raro observa-se um chamado, uma confrontação, um ensinamento, uma analogia carregada de verdade espiritual, que têm origem a partir das práticas do trabalho cotidiano em que o homem bíblico está inserido, prova inquestionável de que Deus não está interessado em dividir a vida em sagrada e secular, hierarquizando momentos mais ou menos propícios para a manifestação de sua glória.
É dessa forma que assistimos à continuidade do plano de Deus passando pelas experientes mãos das parteiras Sifrá e Puá, cuja opção pelo testemunho de Deus aconteceu mesmo a despeito de se envolverem em encrencas (Êx 1.15-21). É dessa forma que os artífices Bezalel e Aoliabe demonstram-nos a necessidade que temos de receber sabedoria singular para podermos captar a visão de nossos chefes e executarmos o serviço como se nós mesmos tivéssemos tido a ideia ou a visão do novo empreendimento (Êx 35.30-35). Sobre os ombros dos artífices do tabernáculo pesa ainda o encargo de ensinarem a outrem (a transferência profético-profissional da vocação – v.34). É dessa forma que Gideão é observado pelo anjo enquanto malha o trigo para salvá-lo dos midianitas. Sua eleição se dá no trabalho e deixa-nos entrever que a displicência profissional pode-nos excluir da convocação divina (Jz 6).
É dessa forma que Boaz, o “empresário”, amigo de seus empregados, apercebido de suas dificuldades e amado por eles, reproduz, na lavoura, o cuidado que o noivo tem com a noiva (Rt 2.8-16). E por falar em cuidado, abrimos espaço aqui para um certo centurião, verdadeiro mestre para os que ocupam qualquer instância de poder no trabalho. Seguro e equilibrado no exercício da autoridade que empregava com seus subordinados, encontrava-se inteirado da sujeição desta à autoridade das autoridades, o verdadeiro nascedouro de onde emanam todas as autoridades que estão distribuídas debaixo do sol (Lc 7.1-10). É dessa forma que o Salmo 127 nos adverte que tanto o pedreiro que edifica a casa, quanto a sentinela que vigia a cidade, embora não se furtem a fazer a parte deles, reconhecem claramente o limite de suas atuações (v.1). E mais: Deus não é a favor do exagero das horas extras, da obsessão e das overdoses dos “bicos” (v.2). Tampouco é a favor de que, como os tessalonicenses dos dias de Paulo, sejamos acometidos pela síndrome dos adventismos malucos (2 Ts 3.10-11). Enquanto estamos por aqui, mãos à obra! Nossos planos e metas profissionais podem e devem pretender ultrapassar a duração de nossa existência, sobretudo porque engajarão outros a abraçarem tão apaixonada causa.
É dessa forma que os trabalhadores da vinha, especialmente os das primeiras horas, são advertidos acerca do prazer que advém do fato de estarem com o seu superior, o de serem honrados por passarem mais tempo na presença dele, o de contribuírem para que ele tenha êxito em suas empreitadas, prazer que supera o desejo de auferir proventos (Mt 20.1-16). É dessa forma que um certo trabalhador samaritano comporta-se de maneira sensível para interromper o fluxo de suas atividades a favor de quem mais precisa dele. A febre da produção, do resultado cega-nos tantas vezes em relação a circunstâncias que, de propósito, cobram de nós, nos momentos mais impróprios, uma atitude solidária (Lc 10.25-37).
É dessa forma que o estilo de vida de um homem rico (Lc 12.13-21) nos ensina que não podemos correr o risco de esperar a aposentadoria e o acúmulo para começar a servir: a vida verdadeira está em pleno andamento e precisa se integralizar já. Ela não pode se dar ao luxo de esperar ocasião favorável para começar.
Somos convidados a brilhar a nossa luz diante dos homens para que vejam nossas boas obras e glorifiquem o Pai que está nos céus (Mt 5.16). Não é uma questão de nos sobressairmos. Trata-se de abrir caminhos para a glória de Deus, sobretudo se levarmos em consideração o fato de que o ambiente profissional está saturado de mediocridade, mesmice. Para colaborar, a parábola dos talentos ensina que a mediocridade é sempre punida (Mt 25.14-30). E eu acrescentaria: principalmente a mediocridade dos cristãos.
Assim como a boca fala do que transborda o coração (Mt 12.34) e a formosura do rosto tem a ver com as inclinações interiores do sentir (Pv 15.13), nossas manifestações exteriores, explicitadas nas obras que nossas mãos realizam, dão testemunho da condição de fé que alcançamos no conhecimento de Cristo Jesus. Tiago já nos advertiu de que “a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tg 2.17). Nosso problema é que sempre espiritualizamos demais os textos bíblicos. Essas obras de que nos fala Tiago não se restringem à esfera da religião. Elas falam de todo o nosso histórico, de nossas realizações que se prestam a revelar quem de fato somos. Assim como as palavras apresentam-se como um corpo aos nossos pensamentos, de igual forma as nossas realizações perpetuam objetivamente nossa identidade mais secreta, mais subjetiva, invariavelmente. O modo como realizamos tudo quanto nos vem à mão para fazer (Ec 9.10) testemunha algo de forma eloquente ao mundo, a saber: para quem nós trabalhamos (1 Co 10.31).
Texto publicado originalmente na Revista Impacto – Edição 49 – Jan/Fev 2007
Muito bom saber que podemos no Espírito Santo permitir que Ele manifeste em nós as obras que revelam a vida e natureza de Cristo.
Precisamos manifestar ao mundo que está em trevas que Jesus veio buscar e salvar os que estavam perdidos.
Dinaldo Simões.