Em João 17, temos registrado um momento muito especial da comunhão de Jesus com seus discípulos. Jesus ora ao Pai para que lhe seja concedida novamente a glória de que gozava diante dele antes que houvesse mundo (v.5) e para que também os seus discípulos fossem feitos igualmente participantes dessa glória (v.22).
O propósito eterno de Deus ao criar o homem foi estabelecer comunhão íntima com este. O Éden funcionaria como um laboratório de comunhão, uma espécie de plano-piloto que, doravante, deveria ser aplicado a toda a terra. Os princípios de governo aprendidos com o Criador diariamente no jardim, com base em comunhão, deveriam ser estendidos, fazendo recuar o reino do inimigo e submetendo novamente a terra a Deus.
Ao final de cada dia da criação, deparamo-nos com uma apreciação divina diante do que fora executado: “E viu Deus que isso era bom”. Essa sentença funcionava como um refrão que coroava a viração de cada dia. A partir do sexto, Deus ganha uma companhia para ajudá-lo a cantar o refrão; na verdade, um novo refrão, pois, diante da criação do homem à imagem e semelhança do Criador, a apreciação divina chega aos píncaros da satisfação: “E viu Deus que isso era muito bom!”
Esse refrão não foi silenciado após o descanso do sétimo dia. Repetiu-se um sem-número de vezes. O final do dia era reservado para entoá-lo. Era o momento de Deus e o homem sentarem-se juntos e apreciarem as realizações daquela etapa. Deus não fazia reparos aos serviços que o primeiro Adão executava no jardim, prova de que este fluía plenamente na vontade do Criador. Adão estava nu e nem se dava conta. A glória de Deus era sua suficiente provisão.
Com o advento do pecado, Deus ficou impedido de encontrar-se diariamente com o homem, não obstante alimentar profundo desejo de fazê-lo. Por medida de prevenção, retirou-se para não consumir o homem, pois este estava provisoriamente privado da glória de Deus, em estado de desobediência à vontade divina, rebelado contra seu Criador.
Tem início, então, um plano meticuloso de Deus para voltar a ter comunhão com a humanidade. Na pessoa de Noé, Abraão, Moisés, Davi, entre outros, figurativamente Deus está anunciando que esta comunhão um dia se estenderá a toda a terra. Por meio de Moisés, Deus deixa clara sua intenção de ter um povo inteiro profético, e não apenas algumas pessoas (Nm 11.29). Através dos profetas do A.T., começa a sonhar com o dia em que poderá purificar o homem, trocar-lhe o coração de pedra por um de carne, pôr dentro dele o Espírito Santo e ver a lei sendo escrita nas tábuas desse novo coração (Ez 36.25-27; Jr 31.33-34). Sim, Deus promete derramar seu Espírito sobre toda carne e levantar um povo profético na face da terra (Jl 2.28-29).
Tendo diligentemente preparado um caminho, Deus pôde trazer seu Filho ao mundo. Ele veio para nos inocentar, expiar as nossas culpas e dar a Deus a possibilidade de se aproximar novamente de nós. O sonho estava prestes a se tornar realidade. Segundo o livro de Atos, aconteceu ao cumprir-se o dia de Pentecostes. O som como de um vento impetuoso que encheu toda a casa onde os discípulos estavam e as línguas de fogo repousando sobre cada um deles testemunhavam a alegria de Deus de poder sentar-se novamente com o homem.
Jesus Cristo, tendo enviado ao coração dos homens o seu Espírito, que clama Aba-Pai, o Espírito do relacionamento, da intimidade, forma para si um corpo, cujos membros são todos aqueles chamados a tomarem parte na Promessa, no sonho do Pai. Novamente Adão (o segundo) vai poder sentar-se com Deus e cantar o refrão interrompido há milênios no Éden. Dia-a-dia esse corpo vai recebendo acréscimos, pessoas vão sendo incluídas na comunhão (At 2.41,47; 4.4; 5.14-15). Jesus está vivo em sua igreja, a habitação de Deus no Espírito (Ef 2.22), e o projeto de submeter a terra toda ao Criador, com base em comunhão diária, pode ser finalmente retomado.
Estaria Deus fazendo uma reforma?
Uma reflexão sobre a nova pauta interativa de nossas reuniões nos levaria facilmente à conclusão de que os modelos antigos de reunião não satisfazem mais aos propósitos de Deus. Desnecessário é salientar que os modelos tiveram seu valor e sua utilidade, mas seria tolice preservá-los, pois achamos um modo melhor e muito mais valioso, e se quisermos adquirir este último, teremos de nos desfazer dos primeiros.
A comunhão como atividade ordinária da vida cristã, assunto central da nova pauta, sugere a ausência de modelos, o que dificulta, para alguns, a compreensão deste momento em que estamos vivendo. As reflexões em torno da comunhão são matusalênicas, mas agora aparece, para mim pelo menos, como um tesouro a ser conquistado. Não basta mais saber sobre ela, é preciso descobrir onde está escondida e ir a sua busca, experimentá-la como fim último da vida cristã, o sonho de Deus. O grande plano de Deus é retomar a comunhão rompida.
Mas, e a salvação? A salvação é um fato histórico assim como tantos outros relacionados à obra de Deus. Essa ação redentora é o meio pelo qual Deus irá se reaproximar do homem. O sacrifício de Cristo foi o grande explosivo do qual Deus se utilizou para derrubar a grande muralha que fora edificada, entre Deus e o homem, tendo como alicerce o pecado da humanidade e que servia como empecilho para a realização do seu sonho. Deus a destruiu desde o alicerce. O mais interessante nesse fato é que foi o opositor a seus planos quem detonou o explosivo, quando instigou a humanidade a levar Cristo à cruz.
A partir de então, era possível que Deus substituísse no ideário do homem a possibilidade de que pudesse se reconciliar com Deus por meio das leis escritas em pedras pelo reconhecimento de que somente a graça seria infalível para a realização de tal obra. Deus tira do homem o coração firmado na pedra da lei para substituí-lo por um coração de carne que reconhece o amor como o resumo de toda lei. Mas amor por quem? Por Deus e pelos irmãos. Sem esses dois amores não chegaremos nunca à compreensão prática da comunhão como o grande sonho de Deus.
Se quisermos entender a reforma que Deus está realizando, precisamos interagir com o Senhor e com os irmãos cotidianamente. É preciso estar no centro dessa efervescência que o Espírito Santo vem causando no meio do povo. Isso me faz lembrar a visão do vale repleto de ossos em Ezequiel 37. Um lugar com incontestável desorganização à qual o Espírito põe fim após provocar um breve rebuliço.
No fervor de uma reforma, o Espírito assume seu aspecto organizador, e se eu quiser encontrar o meu lugar no corpo, precisarei estar no centro desse rebuliço. O Espírito não me ajudará apenas a encontrar minha identidade no corpo, mas organizará até mesmo minhas idéias, desfazendo minhas confusões, tirando-me da depressão do vale. No centro dessa efervescência, há a revelação de que precisamos para entender por que a comunhão é o grande sonho de Deus.