Dois homens estão a caminho de uma aldeia chamada Emaús. Carregam no peito uma tristeza muito nossa conhecida: a tristeza da desilusão, dos sonhos desfeitos, das esperanças destroçadas.
No caminho, são alcançados por um desconhecido. Não devemos ignorar os desconhecidos em nosso caminho; pode ser que um deles (ou todos eles) sejam encarnações da Graça de Deus para nós. Foi o que ocorreu com os dois peregrinos. O desconhecido não era brasileiro, mas muito brasileiramente puxou conversa com os dois. “E aí, estão falando do quê?”
“Que sujeito estranho!”, os peregrinos podem ter pensado. Como falar de outra coisa, senão do que acaba de acontecer em Jerusalém? “Sabe Jesus, o Nazareno? Pois é. A gente achava que ele seria o realizador das esperanças de Israel. Mas já tem três dias que ele morreu.” “Verdade que algumas mulheres entre nós disseram que foram ao túmulo e que ele está vivo”, atalhou o outro peregrino. “Mas vê-lo, não o viram.” Talvez o desconhecido tenha coçado a barba. (Será que ele tinha barba? Provavelmente sim.) Talvez ele tenha coçado a barba e, depois de um silêncio pedagógico, tenha dito algo mais ou menos assim: “Como vocês são lentos para compreender o que a Escritura nos ensina! Será que vocês não percebem que era importante que o Cristo passasse por tudo isso?”
Seguem os três pelo caminho enquanto, nessa pequena congregação ambulante, a liturgia da Palavra acontece semeada pelos passos dos peregrinos, pela voz do desconhecido que percorre a Escritura toda (“passando por Moisés e por todos os profetas”), pelas perguntas desassombradas dos outros dois homens. No peito destes, uma impressão curiosa: “Enquanto ele fala, o coração nos arde! Que coisa!”
Todo caminho tem um fim. Ou vários fins, várias estações onde o cortejo se detém, onde os caminhantes se despedem. O desconhecido faz como quem vai além, “Meu destino é lá”. Mas os peregrinos o retêm: “Fica, já é tarde. Pousa conosco.” Quando o que fala diz palavras vivas, não é preciso saber quem ele é para desejar que sua presença continue; os peregrinos querem a companhia do desconhecido.
Na casa, uma mesa. Sobre a mesa baixa, a comida de todo dia. Pão, vinho misturado com água, frutas secas. Por alguma razão, os dois peregrinos aguardam a liderança do desconhecido. Ele é hóspede, mas de repente é como se fosse o dono da casa. Tomando o pão, o desconhecido dá graças: a mesma voz que conduzira, segura, a liturgia da Palavra, orientando os peregrinos pela Escritura, agora se ergue em oração grata, no mesmo tom, o tom inconfundível que doravante marcará a memória dos peregrinos. Tendo dado graças, parte o pão e o estende aos dois homens.
Como se explica um milagre? Um milagre não se explica. No máximo, se descreve. Os olhos de ambos se abrem e veem que aquele é o Senhor; e o Senhor, com um sorriso radioso, desaparece.
Os dois peregrinos se põem de novo a caminho. Voltam sobre seus próprios passos, voltam a Jerusalém. Pouco importa a hora, a viagem noturna, os riscos da caminhada. Importa é estar, de novo, com os outros. Carregam a intuição de que o milagre de ver o Senhor no partir do pão, ocorrido com eles dois (“Pois onde se reunirem dois ou três em meu Nome, ali eu estou no meio deles”), vai se reproduzir sempre onde os discípulos estiverem reunidos.
No caminho, conversam. “Como não percebemos antes? Durante a liturgia da Palavra, nosso coração ardia!” “Mas algo me inquieta”, diz o outro. “Por que ele desapareceu, no momento em que o reconhecemos?”
Silêncio. O outro pensa, pensa. Quando responde, o faz cheio de certeza, mas uma certeza repassada de ternura.
“É que o Senhor não está mais onde pode ser visto por aqui”, diz, colocando a mão sobre os olhos. “Está onde pode ser visto por aqui” – e sublinha suas palavras colocando a mão sobre o coração.
Antes de ser escrita, esta história foi repetida um sem-número de vezes. Provavelmente em pequenas celebrações, porque os cristãos, mesmo tornando-se numerosos entre as camadas mais pobres da sociedade, celebravam sua fé em pequenos ajuntamentos, nos espaços restritos onde tais reuniões eram possíveis. Enquanto o celebrante conta a história, os olhos brilham, os corações se aquecem. De repente a voz do celebrante parece ser a voz de Jesus, igual ela fora ouvida pelos dois peregrinos e registrada em suas lembranças mais queridas. O sorriso do celebrante, de repente, parece evocar o sorriso confiante do carpinteiro galileu, sua pregação livre, seu jeito amoroso de se dar a todos. A história foi contada e contada novamente para ensinar aos cristãos, reunidos em torno da mesa, o significado do ato que praticavam em cada culto.
É assim que Emaús é mais, muito mais do que o registro de um evento distante. Como seria triste se Emaús fosse apenas a descrição de um acontecimento na vida de dois homens! Como teriam sido felizes esses homens e como seríamos miseráveis todos nós, os outros! Mas não. Emaús é a tradução narrativa de uma experiência comunitária. A experiência, não apenas daqueles dois peregrinos, mas de todos nós que peregrinamos como discípulos do Senhor. No partir do pão o Senhor ressuscitado se revela. E se nós não o vemos com nossos olhos físicos, é porque ele está mais perto de cada um de nós do que nossa visão pode alcançar.
Maravilhoso! Sua presença é entre nós, mesmo quando não sentimos nenhuma evidência física no ambiente, mas ele é real porque Sua palavra diz que ele está conosco e isso é o suficiente.
Dinaldo Simões
Grande graça, quando a unidade é revelada em corações quebrantados e dispostos a ver com os olhos da fé, Ele está com a gente… com a gente lembrei do louvor…rsrs Valmir Jd Julio