Que história linda é a do filho pródigo! Ela é conhecidíssima por causa do poder da sua mensagem. Todos nós somos maus e precisamos ser perdoados, sentimos conforto ao ver que o bem está a nos esperar na figura do pai amoroso.
Eu já ouvi diferentes explanações sobre essa mesma história, inclusive de que ela seria a história do Pai e não do filho. Mas o fato é que ela ficou conhecida pelo nome de “Parábola do filho pródigo”. Por algum motivo que desconheço, o menino rebelde que toma a herança e vai gastá-la ganhou mais destaque. E como acho que a identificação é um ponto fundamental para o sucesso de uma história, arrisco dizer que o destaque do filho mais novo tem relação com o fato de o leitor se ver nele tão facilmente. Todos nós temos um pouco de filho que retorna ou quer retornar. O ser humano quer ser aceito apesar dos erros. E, no final, o filho mais novo não nos parece tão mau assim. Isso torna a associação mais simples.
Se o pai tivesse dado um belo sermão no filho e aceitasse que ele fosse seu servo por uma questão de “justiça” ou ainda não tivesse recebido o filho de volta, talvez não gostássemos tanto da história. Provavelmente não gostaríamos de ser filhos arrependidos sem perdão. Utilizando esse mesmo raciocínio, também vejo o irmão mais velho como alguém com quem não queremos nos identificar. Porque ele é uma pessoa invejosa. Ele não pode se alegrar junto com o pai. Para mim ele não tinha tanto amor por seu irmão.
O irmão mais velho na parábola
Mas, sinceramente, o irmão mais novo não era um bom exemplo. Um filho que ama o pai ficaria furioso com o irmão que pede a herança e sai de casa. Embora o pai tenha dado o dinheiro ao filho mais moço e ainda assim o tenha aceitado de volta, provavelmente enquanto o filho festejava com o dinheiro adquirido, o pai padecia de tristeza. E o filho mais velho é que observava tudo isso e tentava agradar o pai.
Era também o filho mais velho que acompanhava o dia a dia do pai. Que aproveitava da sua companhia e diariamente do seu amor. Como o próprio pai disse, “Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas” (Lc 15.31). Ele representa a igreja hoje, que tem Deus em seu meio, mas não sabe aproveitar sua presença. A meu ver, o filho mais velho não era uma pessoa exatamente má, mas com um coração intacto, que não sofreu. Uma pessoa excessivamente preocupada em não errar, mas que não se relacionava.
Ele representa para mim as pessoas que estão tão empenhadas em fazer o que é certo que não têm tempo para observar o outro. Lembra-me alguém que está tão satisfeito com sua vida que não observa o mundo morrendo. Ele é rico, porque seu pai é rico, e por isso não nota a pobreza, não sabe compartilhar da vida. Não tem impulsos pecaminosos tão intensos e por isso não percebe as lutas alheias. Ele não sofre, mas também não ama. Seu mundo é ileso, mas também é frio.
É assim que eu vejo o irmão mais velho: uma pessoa correta, mas só. Uma criança que não brincou com seu irmãozinho.
Um novo perfil para o irmão mais velho
Por outro lado, por mais terrível que o irmão mais velho possa me parecer, eu me sinto parecida com ele. Não exatamente porque eu seja frígida, mas porque eu sempre estive na “casa do pai”. Eu sempre frequentei a igreja, eu sempre fiz as coisas “certas”, eu nunca cometi pecados notáveis do tipo “Deus, me dê minha herança”.
E foi pensando nessa identidade desprezível desse irmão, que fica com o pai mas é tão diferente dele, e também na quantidade evidente de filhos perdidos, que quis improvisar a possibilidade de uma história distinta. E então, por um momento, pensei que talvez nós pudéssemos hoje escrever histórias semelhantes à do filho pródigo, mas com um irmão mais velho diferente.
Ponderei uma parábola atual com um novo perfil para o irmão primogênito. Em que eu, como irmã mais velha, fosse mais calorosa com o irmão rebelde que deu as costas para Deus. Tornando-me uma filha que não só se alegra com o pai porque o irmão retornou, mas também é uma intermediária no processo de arrependimento do perdido.
Isto é, uma parábola incrementada por um irmão que, vendo a tristeza do pai pela saída do filho, vai até seu irmãozinho implorando para que ele volte. E que, mesmo que tenha de fazer isso todos os dias, ele não desiste. Mesmo sabendo que seu irmão está sujo pelo pecado e gasta todo o dinheiro da pior forma, consegue ainda vê-lo como alguém querido.
Foi muito cômodo para o filho mais velho continuar vivendo com o pai como filho único exemplar. Mas talvez nós pudéssemos ser o exemplo de pessoas que estão dispostas a conhecer um pouco mais a fundo a dor do pai que perde o filho para o mundo. E também a perceber outra verdade sobre o filho mais novo: embora ele estivesse muito satisfeito em ter toda a herança antecipada para gastar, fizera a pior escolha da sua vida e estava longe do lar. Isso traria um extremo desconforto ao primogênito, mas afastaria do seu coração a frieza.
Eu sinto Deus nos chamando para isso. Para orar e se envolver com os irmãos mais novos que estão gastando a preciosa vida que Deus lhes deu como herança. Mas não quero fazer isso apenas por eles, mas também por mim. Para que, no momento do retorno arrependido, meu coração esteja pronto para dar “o meu bezerro” que era parte da “minha herança” para festejar junto ao meu pai a volta do filho desgarrado. Com a certeza de que nisso a maior beneficiada fui eu, porque pude ter um coração transformado à semelhança do de meu pai.