Tem-me acontecido frequentemente – conversando com alguém que se diz ateu – sentir-me de imediato numa total e sincera sintonia de pontos de vista com essa pessoa. O Deus que ele rejeita e afirma não poder existir, também eu rejeito e julgo sinceramente que não pode existir.
Por isso não nos devemos impressionar se esse alguém diz não acreditar em Deus. Em que ideia de Deus não acredita? Talvez essa pessoa nos responda: “Não posso acreditar num Deus que anda permanentemente atrás de nós para nos apanhar em falta e nos levar para o inferno”. Ou então: “Não posso acreditar num Deus que nos criou e depois nos deixou sozinhos com a nossa liberdade”. Terá toda a razão. Ainda bem que é ateu. Desse Deus eu também sou ateu. Esse Deus eu não acredito que exista ou que alguma vez possa ter existido.
Ou seja, ateus somos todos nós, os crentes. Somos todos ateus de falsos deuses. A verdadeira questão não é tanto saber se alguém acredita ou não em Deus, mas em que Deus acredita ou que Deus rejeita. Dizendo isso em linguagem bíblica: ter fé implica sempre desconstruir “falsos deuses”, ídolos com a forma de “bezerros de ouro”, que são meramente fruto das nossas projeções e dos nossos medos, como fez o povo de Israel no deserto (Êx 32).
Extraído de “O príncipe e a lavadeira”, de Nuno Tovar de Lemos, sj, Edições Paulinas.