Este artigo é o sétimo de uma sequência sobre dons proféticos, assunto que o autor vem pesquisando desde 2002 e compartilhando em muito lugares
A cada dia que passa, cresce em nós a consciência de que a separação entre clero e leigos não faz parte do propósito de Deus para a igreja, como também não era uma prática adotada no Novo Testamento. Todos nós recebemos dons e ministérios da parte do Senhor como ferramentas para melhor servirmos não apenas ao seu povo, mas também a todos os que ele quer abençoar. E para agir em nome de Jesus, vamos precisar ter capacidade para ouvir a voz suave do Espírito Santo de Deus. Neste estudo chamaremos esta habilidade de sensibilidade carismática.
Vamos considerar algumas verdades essenciais para melhor compreendermos como desenvolver a capacidade de ouvir a voz de Deus.
A necessidade de comunhão e intimidade com o Pai
Deus tem prazer e um desejo eterno de ter comunhão e intimidade com seus filhos. Disso depende toda a vida cristã. A ideia de uma pessoa especial, um santo monge, um pastor cheio de sabedoria e poderes, que entre na presença de Deus em nosso lugar, não faz mais sentido para nós. Intimidade com Deus é algo que cada cristão deve ter por si mesmo, e ninguém vai poder fazer isso no lugar do outro. Neste ambiente de intimidade com o Pai, de oração, adoração, de meditação em sua presença, nossa sensibilidade espiritual cresce, e nosso espírito vai sendo aperfeiçoado. Toda mãe reconhece a voz ou o choro de seu filho, mesmo que ele esteja no meio de várias crianças falando ou gritando ao mesmo tempo. Se quisermos ouvir a voz de Deus em meio às muitas vozes em nossa mente agitada, vamos precisar dedicar um pouco mais de tempo para intimidade com ele.
Deus é o Senhor dos Exércitos, o Todo-Poderoso, Jeová, o Grande Eu Sou. Muitos cristãos conhecem a Deus como Juiz, e isto não é mentira. Outros entendem que Deus é uma tábua de mandamentos e só o conhecem desta forma. Mas o nome que melhor expressa o seu propósito para nós é “Pai”. E esta palavra fala de intimidade, família, amor e relacionamento informal. Neste ambiente de leveza, em que o profeta Sofonias percebeu que Deus se alegra e até dança em nosso meio (Sf 3.14-17), é onde encontramos espaço para desenvolver nossa capacidade de ouvir a voz do Pai. Deus está levantando profetas em nossos dias que saibam expressar o que está em seu coração, e não apenas suas palavras. Para isso, o profeta precisa chegar cada vez mais perto dele, para ouvir sua doce e suave voz, pois Deus não está gritando pelas praças.
A expressão da glória de Deus
Outro ponto a ser considerado é que Deus está revelando a si mesmo, expressando-se o tempo todo. Isto é o que a Bíblia chama de “glória”. Assim como não podemos ver o Sol, mas apenas o seu brilho (sua glória), também não podemos ver a Deus, mas vemos a sua glória. E não fazemos isto com nossos olhos naturais, mas com os olhos do espírito. Temos os sentidos naturais para perceber as coisas desta Terra e os sentidos espirituais que percebem as coisas dos céus. Como uma estação de rádio transmite sua programação o tempo todo, e apenas as pessoas que estão sintonizadas conseguem captar sua mensagem, assim também é Deus. Ele não para um só segundo de expressar sua glória, seu brilho, e apenas as pessoas sintonizadas conseguem captar sua mensagem.
Chamados para ser espelhos
2 Coríntios 3.18 traz uma revelação tremenda sobre nosso papel diante de Deus: “mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor”. Nosso ministério maior é ser como espelhos: estar diante de Deus, contemplando sua glória, e deixando que seu brilho seja refletido através de nós. Mas existe algo maravilhoso neste processo – somos espelhos que, além de refletir a imagem do Senhor, têm a capacidade de ficar impregnados desta glória ao ponto de nossa aparência se transformar naquilo que estamos refletindo. Podemos refletir esta imagem de várias formas; até mesmo com nossa voz, profetizando.
O voo da águia
Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos fins da terra, nem se cansa, nem se fatiga? Não se pode esquadrinhar o seu entendimento. Faz forte ao cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. Os jovens se cansam e se fatigam, e os moços de exaustos caem, mas os que esperam no SENHOR renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam (Is 40.28-31).
O Espírito Santo encontrou no voo da águia a figura perfeita para explicar o desejo que existe em nós de subir até a presença de Deus. O voo da águia expressa o propósito da vida cristã, de uma comunhão com Deus verdadeira, uma via sacerdotal de mão dupla: onde ora estamos subindo, atendendo aos anseios do próprio Deus, ora atuamos como despenseiros de bênçãos celestiais para o povo.
Existe um mistério no voo da águia que, desvendado, nos permite passar a voar cada vez mais alto em revelações, sabedoria espiritual, louvor e adoração. “Os que esperam no Senhor… sobem com asas como águias…” (Is 40.31). Esperar é o segredo. A águia fica em um penhasco aguardando até que comece a soprar uma corrente de ar quente em direção ao céu, e se lança neste vento, subindo nas maiores alturas celestiais, sem bater asas. “Esperar no Senhor” não quer dizer que devemos ficar sem fazer nada, mas dedicar um tempo para “discernir as correntes de ar quente do Espírito Santo”, e isto representa a principal etapa do plano de voo de alguém que quer andar na presença de Deus. É essencial para alguém que deseja adorar a Deus e manter comunhão com ele perceber em que direção o Espírito Santo quer fluir e reagir a ela de maneira adequada, estando sensível (de forma intuitiva) a este mover. Somos chamados a viver nas alturas, habitando em lugares celestiais (Ef 1.20; 2.6).
Muitas vezes, como galinhas desajeitadas, tentamos voar batendo nossas asas (o filme “A fuga das galinhas” exemplifica bem esta realidade quando mostra as galinhas dedicando grande parte de sua vida para bolar um plano por meio do qual pudessem voar por sobre o cercado do galinheiro). Cantamos, oramos, cantamos mais alto, trocamos o equipamento de som, convidamos uma banda de outra igreja, e tudo não passa de um esforço frustrante em levantar voo. Isaías diz que, nesta tentativa de chegar à presença de Deus, até “os jovens se cansam e se fatigam, e os moços de exaustos caem”. Ensaiamos novas músicas, oramos cada vez mais alto, e nada! Até que uma irmã idosa, pobre, negra, viúva, começa a entoar uma antiga canção de seu hinário, todo colado com durex, e a águia começa a subir, subir, subir cada vez mais alto. Tudo porque aprendeu a esperar no Senhor e a discernir o que o Espírito Santo desejava para aquele momento. Este é o segredo das águias – voar sem bater asas. As águias só começam a voar após perceber o fluir da corrente de ar quente em direção ao céu. Até perceberem as correntes de ar quente, elas apenas aguardam…
Se quisermos fluir nos dons proféticos e demais dons espirituais, precisamos aprender com a águia a discernir as correntes quentes do Espírito Santo. Para quem está começando neste mover, é muito útil observar o que está sendo feito no meio do povo, pelas demais “águias”. Quando vários irmãos estão expressando seu dom (lendo um texto bíblico, fazendo uma oração, cantando uma música, trazendo um testemunho), se é o Espírito Santo que está no comando, todas as atividades caminharão por um mesmo trilho, um mover que aponta para uma só direção. Podemos nos lançar neste mesmo mover, pois as chances de acerto são grandes. Se, no entanto, viermos com uma atividade que mude o foco da reunião, uma nova direção, a possibilidade de estarmos equivocados deve ser considerada. Não é proibido trazer algo diferente, mas precisa haver uma sensibilidade espiritual amadurecida para entendermos não apenas o mover do Espírito, mas para sabermos que ele quer mudar a direção do vento (é melhor deixarmos esta tarefa para os mais experientes na igreja).
Vale a pena lembrar que não se trata apenas de unanimidade, pois o homem pode planejar um culto de forma que fique tudo certinho, organizado, mas sem a direção do Espírito Santo. Estou falando de um ambiente de espontaneidade, onde cada membro tem liberdade de expressar o que está sentindo, e tudo vai se encaixando de forma harmônica, como numa perfeita música.
Se tivermos uma canção que exalte a pessoa de Jesus, outra que mande abraçar o irmão que está do lado, uma oração pedindo que Deus levante evangelistas, uma profecia sobre batalha espiritual, fica claro que existe confusão, que não estamos discernindo o que o Espírito Santo quer fazer. E esta reunião só vai gerar canseira e enfado, pois estaremos agindo como galinhas gordas tentando levantar voo. Mas se dedicarmos um tempo a discernir as correntes de ar quente movidas pelo Espírito Santo, que sobem até a presença de Deus, basta que nos lancemos nelas, e não vamos precisar bater nossas asas. Toda atividade vai apontar para um mesmo alvo, uma mesma direção. Haverá maior diversidade de dons e manifestações. Muito barulho, mas sem confusão. Surgirão curas milagrosas, profecias, visões, pessoas se arrependendo, confissões de pecados, conversões, vidas sendo transformadas. O incrédulo dirá: “Deus está neste lugar!” (1 Co 14.16-17,22-25).
Até que altura podemos voar?
O que determina o nosso plano de voo é a coragem de estarmos completamente entregues aos ventos do Espírito. O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito (Jo 3.8). Voar como águia é não ter os pés no chão, e muitas vezes fazer coisas contrárias à nossa natureza e leis naturais.
Precisamos aprender a viver mais no nível sobrenatural, para sermos conhecidos como despenseiros dos mistérios de Deus, como recomendam as Escrituras (1 Co 4.1). A igreja atual enfatiza o ministério de ensino de forma exagerada. Nossa vida cristã não deve ser limitada à leitura bíblica e pregação. Até mesmo as orações são muito pouco exploradas, limitando-se ao tradicional “me abençoe”.
Muitas vezes, em nossas orações, usamos a expressão “se for da tua vontade…”, revelando que estamos sendo cuidadosos, não querendo afirmar nada que seja contrário ao que Deus quer fazer. Na realidade, a frequência com que usamos expressões deste tipo demonstra que somos como cego em tiroteio, sem enxergar nada do que o Espírito Santo está movendo em esferas celestiais. Isto deve incomodar ao Pai! Por que não procuramos discernir o mover do Espírito e oramos segundo a vontade de Deus? Existe uma porta nos céus (Ap 4.1), mas precisamos subir até lá para passarmos por ela. Do outro lado, existe uma infinidade de bênçãos disponíveis para aqueles que voam até as regiões celestiais (Ef 1.3).
A necessidade de treinamento
Ninguém na igreja se opõe quando um músico precisa ensaiar ou um palestrante precisa estudar para ministrar a palavra. Mas falar que um profeta precisa de treinamento pode soar estranho para a maioria dos cristãos. O que então podemos fazer para desenvolver nossa sensibilidade carismática?
- Dedicar um tempo de qualidade na presença de Deus, para oração e meditação. Se toda nossa oração se resume ao estilo “me abençoe”, precisamos crescer nesta área. Deus quer revelar seus planos aos profetas, e se ficarmos apenas pedindo, pedindo, não teremos tempo para ouvir o que ele quer falar também;
- “Sem santidade ninguém verá ao Senhor”, e o Espírito Santo não terá liberdade para agir através de alguém cheio de pecados;
- Fortalecer nossa mente com o alimento espiritual – leitura bíblica e de bons livros, ouvir músicas que exaltem ao Senhor, manter conversas edificantes com os irmãos, “em tudo dar graças”, manter o coração alegre com o gozo do Senhor (o espírito triste seca os ossos – Pv 17.22); a pessoa que passa o dia inteiro ouvindo músicas mundanas, assistindo a noticiários sobre tragédias, programas de televisão que exploram traições e outras práticas contrárias à palavra de Deus, que conversa “borracha” e não tem tempo para orar, buscar a Deus, ler a Bíblia, como poderá querer ser útil ao Senhor?
- Dedicar um espaço em nossas reuniões para o exercício dos dons proféticos: podemos fazer orações apressadas, como “cortesia pastoral”, já esperando que nada vai acontecer; e podemos também procurar discernir o coração de Deus, o que ele quer fazer naquela situação, por que ocorreu determinado fato (um desemprego, uma doença, um conflito), e orar e falar de acordo com o que ouvimos;
- Manter nossas ferramentas “prontas para o uso”: nosso dom pode ser usado em qualquer lugar, e não apenas nas reuniões. Somos seres espirituais em todo tempo, e não temos uma tecla que seleciona “espiritual ou carnal”, dependendo do ambiente. Você pode estar numa fila de banco, no supermercado, no ponto de ônibus, no trabalho e orar pedindo a Deus que fale algo para quem estiver ao seu lado. Ou então pode ficar reclamando dos preços, do calor, do presidente… Tudo vai depender de estarmos ou não ligados em Deus. Lembre-se de que, como numa estação de rádio, ele está transmitindo o tempo todo. Mas só vai ouvi-lo quem estiver sintonizado.
[Esta matéria foi baseada nos artigos “Vida en alas”, de Ern Baxter, publicado na revista Vino Nuevo, e “Voar como águia”, publicado na revista Impacto. Maiores esclarecimentos poderão ser obtidos diretamente com o autor, por meio do seguinte endereço: ezequielnetto@itelefonica.com.br].
Para ler outros textos deste autor, acesse: www.ezequielnetto.blogspot.com