Este artigo é o sexto de uma série que está discutindo alguns problemas do divórcio, uma prática antiga que afeta atualmente a maioria das famílias.
Desde o quarto artigo, nossas reflexões têm recaído mais sobre os sofrimentos dos filhos durante e após o rompimento conjugal de seus pais, seja ele dentro de um casamento oficial ou não. Continuaremos com esse foco esperando conseguir dar voz aos sentimentos das crianças e adolescentes e desejando ardentemente que eles sejam ouvidos, sem desprezar as dificuldades dos pais divorciados, principalmente da parte que não queria a separação.
Nesse contexto, falaremos aqui sobre algumas das consequências que as separações conjugais trazem para os adolescentes. Antes de iniciar, reafirmamos que ainda há muito para saber sobre as crises vivenciadas pelas crianças por causa do divórcio e talvez nem seja possível esgotar o assunto. Esperamos estar instigando em um número cada vez maior de adultos o início ou o aumento da busca empática pela real valorização da infância.
Identificando a adolescência
A adolescência, faixa etária pouco compreendida por muitos pais, é a fase do desenvolvimento humano marcada por fortes transformações biológicas, emocionais, psicológicas e sociais inerentes à transição do mundo infantil para o dos jovens e adultos. Por isso é preciso dar ao adolescente o mesmo tipo de respeito devido ao adulto, acompanhado do mesmo tipo de amor dado a uma criança. Mas, para a infelicidade da maioria deles, poucos educadores compreendem adequadamente esse processo e sabem lidar com ele. É muito comum, por exemplo, vermos adultos humilhando adolescentes durante as crises dessa fase.
Como consequência, a quantidade e tipos de problemas que os adolescentes trarão para seus pais quase sempre serão proporcionais ao modo como eles são ou foram tratados na infância. De acordo com nossa experiência e a de muitos educadores que conhecemos, afirmamos que crianças educadas com fortes doses diárias de limites na mesma proporção de amor incondicional dificilmente se tornarão aqueles que se convencionou chamar de “aborrecentes”.
Conquistando o adolescente
Se o tipo de educação infantil que pode formar adolescentes emocionalmente saudáveis não ocorreu, ao chegar essa fase sempre haverá como resgatar muito do que se perdeu na relação com eles quando eram pequenos. Ainda que isso venha a exigir bastante esforço dos pais, os resultados costumam ser compensadores. Orientar-se por bons livros, como “As cinco linguagens do amor das crianças” (Ed. Mundo Cristão, 1999) e “A diferença que o pai faz” (Ed. Candeia, 2007), por exemplo; estar junto com os filhos em locais ou eventos que promovam crescimento emocional e espiritual; e incentivar a presença dos amigos deles em casa são algumas outras sugestões para conquistar os adolescentes. Buscar e manter amizade com casais que já educaram adolescentes também poderá ser de grande ajuda no processo.
Na perspectiva do Reino de Deus, esse relacionamento saudável entre pais e filhos é tão importante que a segunda vinda de Jesus Cristo se dará apenas quando ocorrer a genuína “conversão do coração dos pais aos filhos e dos filhos aos pais” (Ml 4.6). Essa “conversão” gera envolvimento, comprometimento, transparência e fidelidade para além daquilo que o importante esforço humano pode produzir. Ela ensina e influencia os adolescentes a construírem importantes e necessários vínculos nos seus diferentes meios sociais. Na base disso tudo está o plano do Pai celestial amoroso de conquistar o amor dos humanos, fazendo-os voltar à condição de filhos (Lc 15.11-32).
Efeitos do divórcio para os filhos adolescentes
No estudo da Drª. Wallerstein, sua expectativa pela salvação dos adolescentes também foi apresentada sem conotações religiosas. Nesse contexto, sobre a comparação que fez entre os filhos adultos do divórcio e os filhos adultos de famílias intactas, no aspecto da capacidade de construírem vínculos sociais, a pesquisadora registrou preocupações ligadas às dificuldades dos primeiros.
Os dois grupos igualmente eram diferentes depois do casamento. Os que foram criados em famílias intactas consideravam o exemplo do casamento duradouro dos pais muito tranquilizador, quando tiveram problemas matrimoniais inevitáveis. No entanto, ao enfrentar as tensões normais de um casamento, os adultos de famílias divorciadas estavam numa grave desvantagem. A ansiedade diante de relacionamentos estava na base de suas personalidades e persistiu até mesmo em casamentos muito felizes. (WALLERSTEIN, 2002, p.351)
Vamos falar mais sobre os efeitos do divórcio na vida adulta dos filhos nos próximos artigos. Nesse momento queremos enfatizar o quanto é importante para o futuro dos adolescentes um ambiente familiar onde os pais priorizam vencer e não ser vencidos pelas crises inerentes a uma vida a dois. Diferentemente do que a maioria das novelas e filmes ensina quando desvinculam o amor parental do conjugal, superar as crises relacionais contribui para reforçar o principal legado que um casal pode deixar aos filhos: se amar cada dia mais.
Antes de continuar, reiteramos que a experiência singular da Drª. Wallerstein e o acompanhamento individualizado que fazemos a famílias nos possibilita perceber um pouco dos sentimentos dos filhos no cotidiano. Esse é um dos motivos da diferença entre os resultados aqui apresentados e os da maioria das pesquisas. Apesar de sua importância, estas últimas fazem recortes da realidade e se limitam pelos discursos e representações sociais dos sujeitos envolvidos. Além disso, as metodologias utilizadas estão necessariamente orientadas por teorias e objetivos a serem alcançados.
Vejamos agora, a partir da obra de Wallerstein (1991, p.392), algumas outras reflexões sobre as lições aprendidas com as famílias estudadas no que diz respeito à adolescência.
As experiências que os adolescentes tiveram dentro do casamento fracassado dos pais não foram apagadas com o divórcio. Dez e quinze anos depois, a autora viu a maioria desses jovens sofrendo com as imagens das brigas de antes e depois da separação em seus próprios relacionamentos conjugais. Ela conclui que o divórcio pode salvar um dos cônjuges, e isso é muito importante, mas ele pode falhar na salvação dos filhos.
Sessenta por cento dos adolescentes acompanhados pelo estudo tiveram de conviver com o duro sentimento de serem rejeitados por, pelo menos, um dos pais. Nesses casos, o declínio do padrão financeiro familiar e a diminuição ou ausência do custeio da vida escolar foram vistos pelos filhos como uma das provas dessa rejeição. Wallerstein salienta, e nós confirmamos, que, após a separação, é comum o cônjuge que saiu de casa manter uma renda financeira maior e não a compartilhar com os primeiros filhos. Outro fator negativo e inevitável é a diminuição da convivência parental.
Quase metade dos adolescentes entrou na idade adulta como jovens muito preocupados, com pouca capacidade de realização, autodepressivos e às vezes mantendo a raiva originada a partir do divórcio. Viram-se privados de uma proteção familiar que sempre desejaram e nunca tiveram. Além do pouco apoio vindo dos pais, os parentes próximos e amigos da família também não os ajudaram o suficiente. Tiveram de criar e educar a si mesmos, além de, em alguns casos, ainda terem de cuidar de um genitor emocionalmente perturbado.
Embora os meninos tenham enfrentado mais dificuldades do que as meninas, principalmente no que diz respeito à violência e aprendizagem escolar, no final das contas adolescentes de ambos os sexos sofreram quase igualmente, apenas em circunstâncias diferentes. Ansiedade e culpa eram muito fortes entre a maioria, levando-os a se envolverem em múltiplos casos amorosos e casamentos impulsivos que terminavam logo em seguida.
Os muitos relatos colocados nos livros e artigos ilustram outros sofrimentos mais específicos que vários adolescentes foram condenados a enfrentar. Vejamos uma das reflexões da autora sobre parte dessas dificuldades.
A adolescência é um período de sérios riscos para os filhos de famílias divorciadas; aqueles que se tornaram adolescentes logo após o divórcio dos pais passaram por uma fase particularmente difícil. Os jovens nos contaram várias vezes o quanto precisavam ser protegidos e o quanto ansiavam por uma orientação clara para o comportamento moral. Eles nos disseram que precisavam de mais estímulo dos pais no complicado processo de crescimento e que, não o conseguindo, deixavam-se seduzir pelas vozes das ruas. (WALLERSTEIN, 1991, p.394)
A autora faz alertas dos quais muitos adultos costumam discordar, quando não os minimizam ou ignoram, principalmente quem passou por separações. Entre eles, que a falta da convivência dos filhos em relacionamentos sadios e duradouros pode gerar problemas sociais de progressões geométricas. Por não aprenderem com os pais a construírem uma conjugalidade que supera os conflitos, os adolescentes precisarão aprender isso por si mesmos ou por outra referência familiar. Embora alguns consigam, grande parte é condenada a experimentar múltiplas conjugalidades conturbadas ou inadequadas, expondo-se a riscos que poderiam ser evitados.
Certamente a autora não ignora a realidade de casais que vivem juntos, mas não oferecem um modelo moral adequado para os filhos. Porém, após os vinte e cinco anos de pesquisa, ela se inquieta com o fato de a cultura divorcista ter criado “Novos tipos de famílias em que os relacionamentos são frágeis e muitas vezes não são confiáveis” (WALLERSTEIN, 2002, p.348). Não é preciso ser cientista para saber que esses “tipos de famílias” são um grave problema não apenas para os adolescentes.
A partir desse contexto, o trabalho que fazemos nos dá subsídios para defender a tese de que na maioria dos casos não existe adolescente-problema, e sim adolescente resultado de uma família-problema. Isso também vale para a criança, embora seja difícil a família aceitar que é a sua maneira de lidar com o adolescente que deve mudar, que apenas isso pode mudá-lo.
Os absurdos que muitos adolescentes cometem não se originam de uma suposta natureza perversa ou de uma geração “x”, “y” ou qualquer que seja. As novas gerações são o que são porque seus pais permitiram que elas assim fossem, contribuindo para isso, inclusive, a omissão deles. Atos de violência, banalização do sexo e do corpo, uso de drogas lícitas (álcool, cigarro, medicamentos…) ou ilícitas, entre outros comportamentos de risco, são nada mais do que pedidos de socorro dos adolescentes. No contexto da necessidade de amor incondicional e de limites e regras em que estão esses pedidos, há uma esperança de que seus pais aprendam a se amar e alimentar esse amor. E isso pode salvar a família e a sociedade.
Quando o casal entende que a separação nunca deveria ser considerada como solução para os conflitos relacionais e busca recursos para manter e melhorar a conjugalidade, já está dando uma lição que fará grande diferença na vida dos filhos adolescentes. Mas, infelizmente, há muitos que entraram na vida adulta e não tiveram a oportunidade de ver os pais resgatando o amor perdido. É sobre os sofrimentos desses jovens que falaremos no próximo artigo.