Este artigo faz parte de uma série que discutirá alguns aspectos complexos do divórcio, uma prática antiga que afeta atualmente a maioria das famílias.
Já faz tempo que casar com a possibilidade de se divorciar é uma realidade, uma garantia legal e o principal motivo do aumento do número de recasamentos (formação de novos pares após o fim da união anterior. Lembramos que nossa discussão é apenas sobre a primeira união). Talvez o leitor não tenha pensado em tal situação como geradora de sofrimento, mas este é quase inevitável quando ocorre o divórcio. O desafio colocado é o de entender as suas causas e investir em comportamentos preventivos.
Antes de continuar falando a respeito, relacionando essas causas à pergunta do final do primeiro artigo, publicado na edição 68 (Como ficam os relacionamentos entre os ex-cônjuges e parentes depois do divórcio?), queremos apresentar os porquês de nossa referência a casamento não ser apenas às uniões firmadas por algum tipo de documento.
A maior parte dos casais que atendemos ou dos casos que conhecemos não está nessa condição, ou seja, desfrutam ou viveram a vida conjugal sem ter havido uma formalização prévia. Daí entendermos que ao utilizar nestes artigos as palavras conjugalidade, união conjugal e seus sinônimos, estamos dando um entendimento mais abrangente do que o termo casamento. Já é de longa data que esses tipos de conjugalidades vêm se tornando uma prática comum, reforçada pela pós-modernidade e vice-versa. O leitor já deve ter se ligado que esse contexto é um pouco diferente daquele do estudo da Drª. Wallerstein com as sessenta famílias desfeitas nas décadas de 1970 e 1980, um tempo depois de terem se constituído civil e religiosamente. Hoje, com uniões documentadas ou não, os sofrimentos inerentes ao divórcio atingem uma rede mais abrangente de relacionamentos.
Casais de namorados vivendo como cônjuges
É cada vez maior o número de pessoas que resolvem viver uma primeira experiência conjugal sem oficializá-la por documentos. Como pode ser percebido facilmente por quem estuda o assunto, a maioria desses namorados/cônjuges é jovem e entra nesse tipo de relacionamento contando tanto com a autorização dos pais como com a facilitação incentivadora ou até mesmo indiferença deles. Grande parte vai morar com os sogros ou os pais na mesma casa ou terreno, e há os que alternam a convivência em mais de uma residência, entre outros arranjos. A presença de crianças em gestação ou já nascidas dentro dessas estruturas contribui para ratificar a união, mesmo que o casal seja adolescente. Para reforçar ainda mais a importância de olharmos com carinho para esses tipos de casamento, ainda que muitos desses jovens casais também não se vejam como casados, vale lembrar que o Código Civil os reconhece como “uniões estáveis”.
Esse modelo de união conjugal, o morar junto e/ou “namoro” (quando há sexo regularmente, ou seja, um/a parceiro/a sexualmente estável), tornou-se tão comum que gerou a prática também crescente do casamento coletivo civil ou religioso. Quando esses pares procuram a terapia de casal (falaremos sobre esse novo e crescente fenômeno em outro momento), quase sempre as motivações são conflitos e confusões ligados às dificuldades de assumirem as responsabilidades da conjugalidade oficial. Portanto, ao considerar esses “namorados” casados, estamos apenas reconhecendo que já vivem nessa condição. Eles já experienciam a intimidade sexual, uma das quatro intimidades inerentes ao casamento, mesmo que isso ocorra sem o necessário preparo emocional e material/financeiro.
Há várias causas do aumento desse tipo de uniões conjugais entre jovens e adolescentes. Dentre aquelas consideradas como as mais graves, pontuaremos especificamente algumas relacionadas às mudanças nos estilos parentais, que é a forma e a qualidade do relacionamento com os filhos (cf. livro “Inventário de Estilos Parentais”, de Paula Inez Cunha Gomide, Ed. Vozes).
O casamento entre os filhos das famílias modernas
As mudanças nos estilos parentais das chamadas famílias modernas contribuem para aumentar o número de casamentos não oficiais por razões inerentes à sua própria estrutura. Isso porque, sem disciplina e limites claros para o namoro, os filhos entrarão na vida conjugal quando quiserem, e não quando estiverem preparados. É lógico que alguns pais permitem essa condição conscientemente e, nesta situação, devemos respeitar tais escolhas. Por outro lado, muitos outros pais são levados a acreditar que devem aprovar ou dar condições para que os filhos sejam sexualmente ativos fora do casamento oficial. Na verdade, essa prática é, paradoxalmente, o equivalente a conduzi-los para dentro de um tipo de casamento, de uma conjugalidade com quase todos os direitos, mas sem os necessários deveres que gerariam maturidade. Temos visto a dificuldade desses pais em compreenderem e lidarem com esse contexto, pois também são vítimas da pressão exercida pela mídia. Foram convencidos de que estão cuidando dos filhos e os protegendo ao agirem assim.
Porém aprovar comportamentos como esse tem o mesmo princípio falacioso de se autorizar o uso de drogas (lícitas ou não) dentro de casa, acreditando que isso livrará os filhos das consequências da dependência química sob a qual estariam caso estivessem fora de casa. Um outro discurso bastante utilizado é o de que não adianta proibir porque os filhos farão assim mesmo. Mas esta justificativa pode estar ligada às inadequações nas dinâmicas e fronteiras relacionais da família, que nesse caso precisa de ajuda. Uma convivência familiar emocionalmente mais saudável ocorre pelo resgate da autoridade parental através do amor incondicional aos filhos. Isso significa corrigir o comportamento inadequado deles sem deixar de lhes provar o quanto são amados. Essa postura dos pais torna seus filhos mais sensíveis e compreensivos às proibições em relação a todas as coisas cujas consequências, em caso de transgressão, eles não poderiam assumir.
Os pais que não querem ou não conseguem agir assim transferem para si os ônus dos comportamentos de risco dos filhos, adiando ou quase sempre impedindo o desenvolvimento cognitivo, emocional e espiritual deles. Filhos amados incondicionalmente e educados para assumir todas as suas responsabilidades e suportar frustrações, com pais presentes e exemplares, se esforçarão para viver os ideais de uma conjugalidade saudável. E isso se repetirá em outras áreas de suas vidas. Não estamos falando em ausência de crises na relação parental, mas do privilégio que todos podem ter, sendo religiosos ou não, de experimentarem a superação de todas elas e de se apropriarem de tudo o que o Criador projetou para o casamento e para a família.
Refletindo sobre modelos de casamento
Aprendemos e ensinamos que casamento só é válido quando presidido por alguma autoridade civil e/ou religiosa e documentado. O documentar é uma prática recente, mas diferentes celebrações envolvendo as famílias dos noivos e sua comunidade sempre ocorreram na história. Elas representam para a maioria das culturas algum tipo de contrato moral ou ético. Essa tradição é tão forte que certamente o leitor conhece casos de pessoas que, mesmo vivendo juntas há anos ou décadas e já tendo filhos, querem “se casar”. Em 2009, por exemplo, muitos desses casais brasileiros se realizaram e passaram a fazer parte dos números divulgados pelo IBGE sobre casamentos oficiais: 935.116 (contra 177.604 divórcios). Também há aqueles que se contentam apenas com uma cerimônia religiosa, prática comum quando a união é desfeita e o casal troca de religião. Inclusive, há instituições que estimulam recasamentos com a expectativa de que os novos membros se tornem efetivos colaboradores de seus projetos.
Embora muitos acreditem ser as celebrações civis ou religiosas a garantia de vínculo duradouro ou até de felicidade, o contexto atual mostra que a maioria delas não consegue cumprir esses objetivos, independentemente de quem tenha sido o celebrante. Quando se perdem ou se ignoram os princípios relacionados ao amor incondicional e à fidelidade conjugal, projetados amorosamente pelo Criador para o casal e a família (Mt 19.8), virão complicadas crises, geradoras de sofrimentos, que poderiam ter sido evitadas. Portanto é preciso refletir com seriedade e urgência sobre as vantagens de se conhecer o modelo original de casamento dentro da vontade de Deus e de se viver de acordo com ele. É apenas dentro da vontade de Deus que os relacionamentos conjugais se completam.
Todo casal quer permanecer casado
Cônjuge, conjugar, conjugado e seus sinônimos têm o significado de ligação, de juntar, de andar junto. Houve um tempo em que se falava sobre casamento utilizando-se a ilustração da junta de bois puxando um carro ou arado, apontando para a ideia de semeadura e de investimentos espirituais e emocionais mútuos. Mesmo que seja com outros exemplos, esse é o princípio que une a maioria absoluta dos casais. Dificilmente alguém se entrega intimamente ao outro de corpo e alma sem ter a pretensão de um relacionamento duradouro, seja essa entrega por meio de um “namoro” ou casamento, seja documentada ou não. Esse processo envolve confiar segredos pessoais e familiares, temores, esperanças, sonhos, sempre com a expectativa de que o(a) parceiro(a) continue sendo alguém para somar esforços na caminhada. Para tornar tudo isso mais forte e significativo, o casal costuma buscar formas de envolver os familiares e parentes nessas alianças. Acreditam que encontrarão a felicidade na outra pessoa, confiando em tudo o que ela é e tem. À medida que o tempo passa, as entregas mútuas nas áreas afetiva e material vão sendo cada vez maiores, chegando ao ponto de o casal se ligar para toda vida quando gera filhos, pois estes carregarão em si muitas características de seus progenitores.
Em qualquer um dos momentos a partir do início da conjugalidade, a opção pelo divórcio, normalmente unilateral, vai começar a quebrar essas e outras construções feitas pelo casal durante a convivência. Nesse difícil momento vivido pela parte abandonada e/ou traída, uma das coisas que fará grande diferença é encontrar um(a) amigo(a) na família ou na parentela. Nas longas horas que se seguirão, o que menos importa é se a união conjugal era oficial ou não…