Este artigo é o primeiro de uma série que discutirá alguns aspectos complexos do divórcio, uma prática antiga que afeta atualmente a maioria das famílias se considerarmos também as separações conjugais de “uniões estáveis”. Em cada parte da nossa discussão estabeleceremos paralelos entre aquilo que o Novo Testamento registra a respeito, e os resultados da mais importante pesquisa dos últimos quarenta anos sobre o assunto. Trata-se do trabalho coordenado durante vinte anos pela norte-americana, Dra. Judith S. Wallerstein, que apresentou os dados de suas descobertas em várias obras. Utilizaremos o livro “Sonhos e realidades no divórcio”, escrito em parceria com Sandra Blakeslee, e publicado no Brasil pela Saraiva em 1991.
Relacionado aos objetivos da pesquisadora, pretendemos mostrar que o divórcio sempre faz vítimas, e que é possível buscar formas de evita-lo. Verificaremos ao longo das reflexões que a Dra. Wallerstein, como poucos cientistas, teve a coragem de tocar nos problemas familiares e sociais causados por ele. Infelizmente essas verdades são negadas ou ignoradas pela maioria dos especialistas, inclusive os da área de família, muitos deles também afetados por crises não resolvidas em seus relacionamentos conjugais.
Nossa tese principal é a de que, se o divórcio tem em sua essência a característica de fazer vítimas, tornando-se incoerente com os princípios ou ideais do humanismo, faz menos sentido ainda ele ser relacionado às propostas do Reino de Deus para a Terra. Esclarecemos que esse Reino é aqui compreendido da mesma forma como foi anunciado e vivido por Jesus Cristo e os primeiros cristãos, portanto, distinto das religiões cristãs. Ele se torna realidade a partir da decisão individual de experienciar cotidianamente a vontade amorosa do Pai Celestial em Jesus Cristo, sendo as religiões o resultado das tentativas de misturas dessa vontade com interesses exclusivamente humanos.
Se essas diferenças ainda não estão claras para o leitor, o livro “A comunhão nossa de cada dia”, de Pedro Arruda, a Revista Impacto, entre outras publicações semelhantes, pode ser de grande ajuda na busca desse importante discernimento. Assim, a nossa referência a Reino de Deus na Terra não se remete às muitas religiões judaicas e cristãs ou suas ramificações, uma vez que praticamente todas aprovam ou se omitem sobre o divórcio. Ao mesmo tempo não se está insinuando que tais instituições estão ou estarão fora desse Reino. Nosso intuito é apenas frisar que as pessoas que vivem nEle almejam uma única vontade.
É possível entender bem isso observando o cotidiano dos primeiros cristãos, que viveram e registraram ser a vontade de Deus “boa, agradável e perfeita” (Romanos 12.2). Desde crianças, lamentavelmente a maioria aprendeu o contrário, tanto dentro quanto fora das religiões. É como se Deus tivesse criado as coisas boas propositalmente com objetivos diferentes de nosso “justificável” desejo de desfruta-las. É a velha mentira de que a vontade de Deus é ruim.
Dentre as muitas outras lições erradas que tivemos, nos ensinaram que pecado é algo que afeta a natureza divina, quando de fato ele traz sofrimento para nós mesmos, nosso meio e relacionamentos. Na verdade o Pai Amoroso espera que evitemos a autodestruição inerente à desobediência, pois fomos criados para ter vida abundante (João 10.10). Para isso Jesus Cristo se fez homem, nos convidando a viver o prazer de obedecer ao Pai Criador em tudo (João 4.34), estando o casamento incluído nisso de modo especial.
Nesse contexto, nossas reflexões sobre divórcio não pretendem relacioná-lo ao conceito tradicional de pecado, muito menos condenar ou criticar as pessoas divorciadas, visto que há circunstâncias em que a separação é inevitável. Ao mesmo tempo, esperamos que o leitor considere a possibilidade de não mais olhar para o divórcio como primeiro e melhor caminho a ser trilhado diante de conflitos conjugais. Além de poder analisar um pouco mais as condições das vítimas desse processo, principalmente quando há filhos envolvidos. A experiência singular da Dra. Wallerstein, e a nossa vivência no trabalho terapêutico e comunitário com famílias mostram ser possível evitar algumas tragédias que o divórcio pode causar, ainda que para apenas um dos membros da família.
No citado livro da pesquisadora ela esclarece que seu objetivo quando começou a estudar o tema não era condenar ou promover o divórcio. Sua atuação como psicóloga sempre foi voltada para ajudar pessoas que passaram por situações traumáticas muito fortes, como as famílias judaicas que escaparam da morte durante o Holocausto Nazista. Inicialmente a Dra. Wallerstein pretendia confirmar se os sofrimentos causados pelo divórcio realmente duravam no máximo dois anos, como apontava a maioria das pesquisas na época.
Reunindo uma equipe competente e experiente, começou em 1971 o trabalho que duraria cinco anos, mas foi sendo prorrogado até chegar aos vinte anos. Acompanharam através de entrevistas presenciais e individuais sessenta famílias voluntárias que tinham acabado de experienciar o divórcio. Na seleção do grupo, envolvendo cento e trinta e um filhos com idade de dois a dezoito anos, ela teve o cuidado de evitar variáveis ainda mais complicadoras do divórcio. Para isso as famílias: eram de classe média ou alta; brancas e não estrangeiras; com médio ou alto nível de escolaridade; quase todos os casais com pais não divorciados; experimentavam o primeiro divórcio e a maioria procurou conselheiro matrimonial antes da separação; não havia ninguém em tratamento psicológico ou psiquiátrico; os filhos se relacionavam bem com os pais e eram avaliados por seus professores como tendo grande capacidade de superar crises. Outro dado importante é que a metade das famílias frequentava regularmente igrejas ou sinagogas.
Enfim, para aqueles profissionais o grupo parecia se constituir em um modelo perfeito de como as famílias deveriam lidar de modo emocionalmente saudável com a experiência do divórcio. Isso não significava que os adultos não tivessem preocupações com o futuro, especialmente as mulheres, pois passariam a enfrentar dupla jornada de trabalho e cuidar sozinhas dos filhos. Mas, era unânime entre eles a esperança de que a crise seria passageira e de não haver outra alternativa diferente do divórcio. Reforçavam tal crença nos estudos da época e nas opiniões da maioria dos especialistas. Além de estímulos das programações da televisão e dos cinemas, que vendiam a idéia de uma suposta felicidade fácil para as famílias pós-divórcio.
Percepção diferente e também unânime foi verificada pela equipe da Dra. Wallerstein junto aos filhos desses casais, inclusive com os menores através de recursos lúdicos utilizados nas entrevistas. Mesmo aqueles que presenciaram agressões físicas e verbais entre seus pais questionavam se não haveria outra forma de resolverem os problemas, ainda que fosse uma separação passageira. Em meio às buscas por recursos emocionais que alimentassem as esperanças de um futuro melhor, a expectativa pelo fim do sofrimento dos pais com o divórcio, quase sempre da mãe, foi o que mais apareceu nas conversas.
O registro dessas histórias, a maioria muito tristes, foi dividido em temas nas obras da Dra. Wallerstein, apresentando os resultados das entrevistas com cada um dos membros das sessenta famílias, o que durava de uma a quatro horas. Ela também faz interessantes reflexões a partir de suas impactantes descobertas, tanto no início da pesquisa quanto nos dois, cinco, dez e quinze anos depois. Grande parte desse conteúdo se deve ao privilégio que teve de manter contato com essas pessoas por um espaço de tempo tão longo. Inclusive ela pode envolver nas conversas as novas famílias constituídas pelos “filhos do divórcio”, termo bastante utilizado pela autora, e título de um outro livro editado ao final dos vinte anos de sua pesquisa.
Durante os quinze primeiros anos, como se deu o relacionamento entre os ex-cônjuges e seus parentes; o cuidado com as crianças pequenas e adolescentes? –Nesse contexto, e a nova condição social de quem ficou com os filhos; o aproveitamento escolar deles; e, especialmente, o seu desenvolvimento emocional e social? –Há diferença entre divorciar-se com ou sem filhos; o tempo de casamento e idade do casal? –E o que isso pode afetar na sociedade como um todo?
Esses e outros temas são tratados pela autora de forma honesta e imparcial. Assim, nos propomos a difícil e gratificante tarefa de tentar interpretar essas descobertas para nossos dias e nossa sociedade, embora o ideal seja o leitor conhecer diretamente as referidas obras. Veremos o que se pode aprender com a pesquisa sem descartar os princípios do Reino de Deus a respeito. Juntos e em comunhão, é possível melhorar a saúde emocional e espiritual de nossas famílias e envolver muitas outras nessa maravilhosa missão de materializar o projeto do Pai Amoroso para o nosso planeta.
Olá, primeiro gostaria de elogiá-los por apresentar um assunto tão importante mas tão desvalorizado em nossa sociedade ocidental.
Gostaria de deixar meu testemunho pessoal breve: Tenho 28 anos, sou filho de um casal que se divorciou a 22 anos e posso afirmar que até hoje esta quebra de aliança é motivo de brigas e afastamento de todos os membros daquela grupo de pessoas que um dia foi um Família. Todos estamos quase que ‘obrigatoriamente’ afastados por motivos que sempre renascem com o tempo.
Como Cristão e filho, sempre desejei o perdão e paz, mas nunca encontrei rescíprocidade daqueles que são não cristãos.
Gostaria mesmo de entender mais sobre este assunto e saber se há alguma quebra de alinça que se tornou em paz para todos. Pessoalmente nunca encontrei um caso em que o divórcio culminou em paz e alegria.
Abraço
Estimado Germano. Em nosso trabalho de alguns anos com aconselhamento e terapia familiar entre membros de religiões cristãs, também não vimos experiências de divórcios terminados em paz e alegria. Pelo menos não para todas as quatro partes diretamente envolvidas: o casal, filhos e parentes.
Nosso objetivo com os artigos é exatamente chamar a atenção para essas verdades. Ao mesmo tempo, esperamos provocar um clamor no meio do povo de Deus para que o Espírito Santo venha trazer cura e restauração para as famílias que sofreram ou sofrem com o divórcio. Obrigado pela contribuição e por estar nessa luta. Continuem firmes no Senhor Jesus e em seu propósito ogirinal.
Carinhosamente,
Juarez e Maria Gomes