Este artigo é o quinto de uma série que discute alguns aspectos complexos do divórcio, uma prática antiga que afeta atualmente a maioria das famílias.
No artigo anterior, nos detivemos na consequência das separações conjugais que mais nos preocupa e sensibiliza: o sofrimento dos filhos. Ainda que muitos pais insistam na tese de que as atitudes tomadas são para a felicidade deles, o conturbado contexto do divórcio joga por terra essa lógica. Talvez seja esse um dos fortes motivos para Deus odiar o divórcio (Ml 2.16), pois tal decisão afeta negativamente a vida dos seus amados seres humanos, principalmente as crianças (Mc 10.14).
Neste artigo continuaremos falando a respeito do sofrimento da criança, centrando-nos mais naquelas com idade até oito anos, aproximadamente. Reiteramos que nossas reflexões estão sendo feitas sobre alguns aspectos dos temas e que o ideal é o leitor conhecer as obras da Drª. Wallerstein e todo o contexto de sua pesquisa de mais de 20 anos com os “filhos do divórcio”.
Não se pode ignorar que boa parte dos pais tenta minimizar os sofrimentos da criança pequena por ocasião da separação. No entanto, muitos não terão sucesso, visto que a partir do divórcio a criança deixará de ter a possibilidade de condições ideais de desenvolvimento que tem uma outra num lar intacto e funcional. Ainda que os (ex)cônjuges consigam se entender para buscar proteger os filhos, dificilmente estes deixarão de alimentar a esperança de um dia todos voltarem a viver juntos. Sobre isso, vejamos uma das experiências da autora.
‘Se pudesse realizar três desejos, Sammy [7 anos], o que escolheria?’, perguntei-lhe durante a entrevista. ‘Eu gostaria que eles voltassem. Esse é o desejo número um, o dois e o três.’ Rompendo em lágrimas, ele revelou: ‘Isso é tudo o que eu quero.’ Apesar de ter tido a sorte de seus pais serem amorosos e preocupados, e apesar de o divórcio ter ocorrido de maneira bastante civilizada, era evidente para mim que sua tensão inicial, sua tristeza e sua raiva haviam perdurado, havendo o risco de se tornarem crônicas. (WALLERSTEIN, 1991, p.118)
Foi preciso que os pais do referido garoto, inclusive depois de formarem novas famílias, se empenhassem bastante para salvá-lo, dependendo de muita paciência e da ajuda de profissionais para isso. Nossa angústia diante de situações como essa, assim como é a da pesquisadora, é que a maioria das crianças não têm a mesma sorte de Sammy quanto a poder contar com redes de apoio após o divórcio.
Nesse contexto apresentaremos, a seguir, alguns comentários a respeito dos relatos da Drª. Wallerstein (1991, p.374-376) sobre os sentimentos e reações da maioria das crianças, percebidos por ela e sua equipe ao final de uma das etapas da pesquisa, depois de 15 anos.
Crianças até os 4 anos de idade
Na idade pré-escolar, a criança é totalmente dependente dos pais, portanto é a que mais teme ser abandonada diante de conflitos. Ela ainda não compreende a noção de tempo, causa e efeito, o que pode gerar preocupações tais como: se um dos pais desapareceu de repente, o outro também poderá fazer o mesmo e deixá-la completamente sozinha. Para quem recebe o encargo de cuidar desse grupo de crianças as tentativas de consolo, do tipo “Papai virá no domingo”, não trazem alívio algum às angústias sentidas.
Como na fábula de João e Maria, o medo de não voltarem para casa está sempre presente, quer estejam na casa dos pais visitantes, quer estejam com eles num passeio. Essa dificuldade geradora de uma forte insegurança faz com que essas crianças reajam violentamente à separação conjugal. Repetições de crises de choro e dificuldade de dormir são exemplos de comportamentos advindos desse afastamento periódico que passam a ter de um dos pais. Temem perdê-los definitivamente, e esse terrível sentimento é reavivado a cada final do tempo de visita ou de um passeio.
Em meio a esses sofrimentos, as crianças podem retomar hábitos de outras fases de desenvolvimento, como chupar o dedo, molhar a cama ou apegar-se a algum objeto ou brinquedo. Na maioria das vezes, tornam-se bastante irritáveis com os membros da família e iniciam ou intensificam brigas com outras crianças menores em diferentes lugares. Além disso, entendem que seu mau comportamento, real ou imaginário, é a causa do divórcio dos pais e, não conseguindo controlá-lo, ficam tristes e sem saber como agir. Do mesmo jeito que se dá sua assimilação dos contos de fada, no que diz respeito à forma como lidam com as noções de causa e efeito, para essas crianças os adultos e seu mundo assumem proporções gigantescas, seja para darem proteção a elas, seja, nesse caso, para abandoná-las.
Infelizmente a maioria dos pais têm dificuldade de lidar com toda essa conturbada situação e praticamente não há informação e muito menos trabalho preventivo a respeito. Até porque estão bastante envolvidos com as diversas demandas pessoais e sociais inerentes a uma separação conjugal. Poucos conseguem se colocar no lugar da criança, ou seja, os sentimentos e comportamentos dela acabam sendo ignorados, reprovados ou combatidos pelos próprios genitores.
Crianças de 5 a 8 anos de idade
A maior parte das crianças afetadas pelo divórcio nessa faixa etária fica confusa ao ter de lidar com os complexos sentimentos de perda, rejeição, culpa e com conflitos de lealdade aos pais.
Parecido com o que acontece com as crianças menores, o medo de perder definitivamente os genitores, e normalmente é o pai que sai de casa, se torna mais forte em crianças de 5 a 8 anos. Uma das grandes angústias diante dessa experiência é a de serem substituídas, pois o pai, na cabecinha delas, passará a ter outra mulher, outro animal de estimação e, consequentemente, outro/a filhinho/a. No caso específico das meninas, é muito comum elaborarem fantasias sobre o retorno do pai amado e realimentá-las diariamente.
Essas crianças também choram muito e tornam-se irritáveis, além de sentirem-se vazias e incapazes de se concentrar. No estudo da Drª. Wallerstein, metade delas apresentou súbita e grave diminuição no rendimento escolar. Muitos meninos relataram saudades tão fortes pelo pai a ponto de sentirem dores musculares.
Ainda sobre os meninos, no início do divórcio grande parte deles tem dificuldade de lidar com o fato de o homem da casa tê-los deixado apenas sob os cuidados de uma mulher que, na maioria das vezes e inconscientemente, é vista como a maior culpada pela separação. Pelas próprias necessidades psicológicas dessa faixa etária e não necessariamente por culpa de um dos (ex)cônjuges, essas crianças sentem que é preciso tomar partido nos desentendimentos. Tais conflitos de lealdade trazem para elas sofrimentos reais ou imaginários.
O principal e difícil desafio para os adultos envolvidos em casos como esses é dar todo o apoio possível para a criança conseguir superar cada fase. Sem querer minimizar os sofrimentos dos pais, principalmente daquele que não queria a separação, a pesquisadora alerta que “As crianças têm o direito de entender o porquê do divórcio, pois ele é uma das mais graves crises de sua vida, se não for a mais grave. Além disso, elas não podem concentrar suas energias para lidar com uma crise que não conseguem compreender” (WALLERSTEIN, 1991, p.378). Isso não significa que compreenderão facilmente nem que concordarão com os motivos, apenas que os pais não podem ignorar os sentimentos das crianças ou mentir para elas.
Para reafirmar a experiência da autora, há quase cinco anos acompanhamos o caso de uma garotinha de seis anos, que sofria sem entender a súbita mudança do pai para outro estado onde foi morar com outra família também com crianças pequenas. Esperando diariamente o retorno do pai que nunca vinha, a doce menina tornou-se agressiva na escola e também com o irmão menor; ficou estagnada no processo de alfabetização; com crises de choro durante a noite; quebrando brinquedos e, com chantagens, exigindo outros mais novos. Foi preciso que a mãe, tias e avós maternos se envolvessem e investissem bastante tempo e energia emocional no resgate da garota e no difícil processo de reorganização da vida dela e da nova família.
Voltemos para o trabalho da Drª. Wallerstein. Ela registrou nas conclusões do livro sobre os resultados da pesquisa após 25 anos a seguinte citação de Karl A. Menninger: “O que se fizer às crianças, elas farão à sociedade”. A partir de reflexões sobre a gravidade disso, fez outras análises sobre as angústias dos filhos durante e depois do divórcio, dando sugestões de encaminhamentos que deveriam mobilizar a todos nós.
Entre elas, defende que o sistema judiciário colaboraria bastante para a diminuição do sofrimento das crianças se levasse realmente em consideração todo o contexto em que elas vivem e seus sentimentos por ocasião de uma separação litigiosa dos pais. Isso poderia evitar, por exemplo, que uma criança perdesse o apoio de avós paternos que morassem próximos, se ela fosse obrigada a mudar-se de região para acompanhar a mãe que, com raiva do (ex)cônjuge, usasse desse artifício para tentar puni-lo. Ao se lembrar de um dos casos, a autora registra uma fala do filho envolvido: “O dia em que meus pais se divorciaram foi o dia em que acabou minha infância” (WALLERSTEIN, 2002, p.347).
De modo geral nas conclusões do livro, ela se mostra extremamente preocupada com as consequências sobre o comportamento de gerações de crianças que tiveram (e, acrescentamos, terão) de aprender a cuidar de si mesmas sozinhas. Entendendo que a cultura “divorcista” trouxe vantagens como a de não obrigar a pessoa (quase sempre a mulher) a viver num casamento destruidor, ela observa que privar a criança de desfrutar de todos os prazeres de uma família intacta e funcional é criar um tipo de infância diferente. Lamentando essa realidade, registra:
Chegamos a um consenso de que os filhos criados em famílias divorciadas ou em segundos casamentos não são tão bem ajustados quanto os adultos criados em famílias intactas. A história de vida dessa primeira geração que cresceu numa cultura do divórcio nos conta verdades que não ousamos ignorar. A mensagem dela é pungente, nítida e contrária ao que tantos querem acreditar. (WALLERSTEIN, 2002, p.349).
Nossa pequena experiência no acompanhamento de famílias e de crianças afetadas em seus relacionamentos e desenvolvimento emocional e espiritual pelas separações de seus pais nos faz concordar com a pesquisadora. Se as crianças dispõem de liberdade para expressarem suas emoções com a certeza de que não serão censuradas, quase sempre levantam questionamentos ligados à necessidade de os adultos buscarem soluções para as crises conjugais que sejam diferentes e mais humanizadas do que a do divórcio. Para nossa vergonha, elas sabem que existem opções melhores do que as clássicas alternativas de continuar numa conjugalidade infeliz ou separar-se. O que elas não entendem e muitas continuam sem entender, mesmo depois de passados muitos anos, é o porquê de não se buscarem essas outras opções.
No caso das crianças mais velhas, a maioria tentará esconder esses sentimentos se perceber que sua revelação aumentará o sofrimento do genitor com o qual tem mais afinidade, seja o abandonado, seja o visitante, pelo menos por algum tempo. Inclusive, é comum que as pesquisas ou reportagens apresentem esse falso contexto do divórcio, reforçando mitos como, por exemplo, o de que todos reencontrarão a felicidade rapidamente. O pior de tudo é que são essas crianças que menos recebem apoio emocional.
Esperamos que o leitor, sensibilizado com crianças e/ou casais vitimados por uma separação conjugal ou na iminência dela, esteja se perguntando sobre o que pode fazer para ajudar. Não há respostas humanas únicas para todos os casos. Mas talvez estejam faltando manifestações mais fortes por parte daqueles que encontraram os meios para construírem famílias e relacionamentos conjugais saudáveis. Com o coração livre do sentimento de se achar melhor do que os outros, abrir sua casa e sua agenda e estabelecer ou fortalecer amizades com essas pessoas preciosas poderá fazer muita diferença, principalmente para você.
Quanto às reações, sentimentos e consequências para a maioria dos adolescentes que são envolvidos no processo de separação dos pais, esse é o próximo conteúdo da série. Até lá esperamos que o leitor, juntamente com sua família, parentes e amigos, continue buscando conhecer e viver cada dia mais o plano bom, perfeito e agradável que o Pai celestial amoroso preparou para o casamento e a família.