Comunhão, nossa de cada dia – Confissão, a força de nossa fraqueza à comunhão
Cada pessoa tem em si pontos fortes e pontos fracos. Isso é natural de cada um e de acordo com a valorização que a sociedade dá a determinada característica, o indivíduo será potencialmente considerado bem sucedido ou não. Quando nos convertemos torna-se necessários que tais características sejam submetidas ao espírito para o que venhamos produzir seja fruto do Espírito Santo e não de nossa força natural.
Temos uma tendência natural de mostrar nossos pontos fortes que pode ser considerado uma exibição ou algo próximo disso. No entanto, fazemos de tudo para esconder os pontos fracos, mesmo que para isso seja necessário fazer um show dos pontos fortes. Em resumo, temos dificuldades em lidar de maneira adequada com nossas características.
Uma engrenagem é composta pela intercalação de dentes e vãos para possibilitar o encaixe de outra, dando condições de funcionamento. Uma superfície lisa e plana impede qualquer aderência e conexão, deixando a peça isolada. Parece que o sistema de engrenagem é mais adequado para representar nosso funcionamento conforme Deus nos propôs, por isso necessitamos de pontos fortes e pontos fracos.
É um equívoco considerar que nossa utilidade ao ministério se resuma apenas no que somos fortes. Ao contrário do se imagina, nossa força poderá servir de tropeço a nós, conforme nos exemplifica Paulo. Ele era uma pessoa extremamente determinada e zelosa como vimos sua conduta antes da conversão e por isso Deus tratou violentamente com a sua força. Depois de convertido, ele passou a ser forte nas revelações de Deus e por isso precisou sofrer o “espinho na carne” como uma medida de segurança para que não ensoberbecesse e assim, sentindo a debilidade pessoal, permitisse a manifestação do poder de Deus, aperfeiçoado na mesma fraqueza. Parece um tanto estranho e ilógico, mas Deus precisa de nossa fraqueza, pois ela dá espaço à manifestação de seu poder.
Não é salutar a nossa tendência de valorizar as qualidades naturais antes de passarem por um tratamento do Espírito Santo. Moisés teve que desfazer-se de sua força natural, esperando por quarenta anos no deserto até ela se esvaísse. O mesmo podemos dizer sobre Paulo que curtiu um retiro de 14 anos na arábia, entre a sua conversão e o início definitivo de seu ministério. Tempo perdido? Não, necessário para a mudança de caráter adequado à nova vida. Ao contrário da força, a fraqueza nos faz dependentes de Deus através das pessoas. Assim como Deus submeteu a execução de seu plano à dependência das pessoas, Ele espera o mesmo de nós. A fraqueza deve servir de abertura para outros participarem da minha vida, e quando isso acontece, inevitavelmente, eu participo da vida do outro, como num sistema de troca.
É equivocada a idéia de que o pobre necessita do rico para viver, muitas vezes pode ser exatamente ao contrário, pois na riqueza do rico encontra-se a pobreza dos pobres. Muito bem disse Jesus que o reino de Deus é dos pobres de espírito e não dos ricos. Henri Nouwen nos dá uma definição bastante interessante para este tipo de pobre: aquele que reconhece que tem falta e está disposto a receber. O rico de espírito, ao contrário já se basta em si, não havendo espaço em seu coração para receber alguma coisa. Nele não há disposição para reconhecer os erros e os pecados, por entender que isso o enfraquece e o obriga à decisões que não lhe agrada. Assim, ele inviabiliza o até o recebimento do perdão.
A compatibilidade da pobreza e da fraqueza com o reino de Deus é o contexto no qual situa-se a confissão. Há necessidade de uma disposição honesta para examinarmos a confissão à luz da palavra de Deus, frente a doutrinação sofrida por este assunto. Há duas posições clássicas bem distintas. De um lado os católicos adotam a prática de se ter um confessor, no caso o padre, que após ouvir a confissão dos pecados pronuncia absolvição ao confessante. Em oposição, os protestantes praticam a confissão exclusivamente a Deus, tendo em conta ser o único que pode perdoar pela intermediação de Jesus Cristo entre os homens e Deus.
No entanto, quando examinamos a prática da confissão na bíblia, verificamos que os confessantes a faziam através dos homens. Não há confissão impessoal e secreta. Uma única menção de confissão de pecados diretamente a Deus é feita por Davi, mas que também a torna pública. Outro exemplo de confissão feita diretamente a Deus são as de intercessores, como Daniel, Jó, etc, mas que dizia a respeito do pecado de outros homens ou da nação a qual pertenciam. A confissão do pecado pessoal era feita a outra pessoa, como recomenda Tiago 5:16: “Confessai uns aos outros os vosso pecados”
Jesus nos dias de sua encarnação não se valeu de sua divindade para a realização de seu ministério. Tudo o que ele fez foi como homem plenamente obediente à vontade de Deus. Dentre os feitos de Jesus, um dos mais polêmicos se deu quando, antes de curar o paralítico que havia sido introduzido a sua presença pelo telhado, disse a ele que seus pecados estavam perdoados e prosseguiu na cura como uma demonstração de que o “filho do homem” – ressaltando sua humanidade, tinha “poder para perdoar pecados na terra”, em resposta aos escribas que o julgavam como blasfemador e diziam que “só Deus pode perdoar pecados” (Mc. 2:1-12). Aqui também, como nas outras ocasiões, Jesus não usou de sua prerrogativa de ser Deus, mas agiu como Filho do homem. Assim nos ensinou que, pelo Espírito Santo que viria depois que Ele fosse, faríamos as mesmas obras e até maiores ainda (Jo.14:12) e, evidentemente, não exclui o perdão dos pecados de um modo geral, pois também disse que “a quem perdoardes os pecados, serão perdoados, a quem retiverdes os pecados, serão retidos” (Jo.20:23). Obviamente que não estava dando prerrogativas ao ofendido para reter os pecados de seus ofensores pessoais, uma vez que nestes casos somente cabe perdoar assim como fomos perdoados. (Mt.6:12).
A confissão remete ao perdão, pois para a Deus, em sua grande misericórdia, é uma questão de causa e efeito. Confissão e perdão de pecados estão intimamente ligados à comunhão. Não podia ser diferente, pois a comunhão tem como pré-requisito homens sem pecados, portanto habilitados à moradia do Espírito Santo, que é o agente promotor da vontade de Deus. De acordo com a 1ª Epístola de João, comunhão, luz e verdade estão de um mesmo lado e pecado, mentira e trevas de outro. “Se andarmos na luz, com Ele na luz está, temos comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado”.
Andar na luz significa estar visível e exposto, nada escondido. Assim como Deus se revelou a nós através de Jesus, nós também devemos revelar nosso interior. Em outras palavras, devemos ter pessoas que andem conosco que saibam sobre nós tanto quanto nós sabemos. Para estas, tudo deve ser revelado e nada ocultado. Aqui também se aplica a promessa de Jesus de quando dois ou três se reune em nome dele, Ele está presente (Mt 18:19-20). Contudo, devemos considerar que estar juntos em nome de Jesus, é estar na luz como na luz Ele está, significa que os seus interesses são a causa prioritária, e não os projetos pessoais, e, em decorrência disso nada pode ser obscuro entre tais pessoas. Ora, a principal causa de Jesus é fazer a vontade do Pai.
A confissão secreta e impessoal, como normalmente é praticada, pode servir de pretexto de chatagem a Satanás, ameaçando nos desnudar. Com isso pretende nos prender num acordo tácito, através do qual ele preserva nossos segredos enquanto nós retemos nossa vida espiritual. Quando encontramos ambiente para confessarmos com pessoalidade, e o fazemos, experimentamos o sabor da liberdade e a única coisa que lamentamos é: “Por que não fiz isso antes?”
Para não produzir efeitos contrários, algumas recomendações de ordem prática devem ser observadas por quem pretende se juntar para este propósito:
• As pessoas que vão compartilhar esta experiência devem se equivaler em maturidade e terem um compromisso radical com a vontade de Deus.
• O mais maduro na fé pode receber a confissão de alguém mais novo, mas o contrário não convém.
• A quantidade não deve ser muito ampla, para permitir total liberdade, mas não reduzida apenas a uma dupla de troca de confidências, para que não desemboque numa cumplicidade ou consolo humano em detrimento à vontade de Deus. Imagino que o ideal sejam mais duas ou três além do confessante.
• Estes pequenos grupos para confissão não devem ser mistos, mas masculinos ou femininos.
• A confissão deve ser sempre espontânea e não obrigatória, regularmente e sempre que necessária.
• A confissão precisa ter caráter de pessoalidade, por isso o confessante não deve escolher estranhos como seus confessores, mas quem participa do seu cotidiano, possiblitando o acompanhamento.
• A primeira finalidade da confissão é a liberação do perdão e acolhimento, seguida de apoio necessário à uma vida de santidade, em conformidade com a vontade de Deus.
• O confessante não deve ter a expectativa de ser também um confessor, só se for procurado para tal. Ou seja, o fato de alguém confessar não gera obrigação ao que ouviu a confissão de fazer o mesmo com ele.
• A confidencialidade deve ser total. Absolutamente nada do que o confessor ouvir em confissão deve ser dito a alguém – nem mesmo ao seu cônjuge. Isto é um segredo entre o confessante, confessores e Deus. Sem este pacto, o campo ficará aberto ao inimigo. Mesmo o confessante que, por infelicidade, tenha sido traído na sua confiança, não tem o direito de abrir segredos que detenha como confessor, ainda que do próprio traidor.
• O bom senso para considerar a vontade de Deus deve prevalecer. Esta é uma ação espiritual e como tal deve ser considerada, portanto, não se trata apenas de compromisso entre pessoas, mas principalmente com Deus. A oração, inexoravelmente, deve fazer parte desse momento.
Humanamente, a confissão é uma utopia total. É milagre de Deus correspondendo a um ato de fé por excelência de alguém que enfrentou a desconfiança e iniciou o processo. Dispor as minhas fraquezas, é abrir a entrada a outros. Esta fraqueza é como o vão no qual entra o dente forte da engrenagem do outro. À exposição da fraqueza do outro, ofereço o dente forte da minha engrenagem. Assim, o Espírito Santo vai conseguir dar movimento à Igreja para caminhar ao encontro do Senhor. Maranata, ora vem Senhor Jesus!