Eu adoro as crianças, elas parecem ter uma energia, um sorriso, uma paciência que ainda não foram corrompidos pelo senso de adultice. Talvez por isso eu queira ter filhos logo e também por isso me sinta um pouco madrinha das minhas primas mais novas, Miriã e Mirella, pelas quais demonstro grande e notável apego.
Poderia citar inúmeros exemplos a respeito da mania tipicamente infantil de fazer a mesma coisa repetidas vezes sem se afadigar. Embora minhas primas sejam bons exemplos disso, a amostra mais vívida em minha mente ocorreu no último final de semana, em que estive com outra criança, o pequeno Matheus.
Pedro, meu noivo, e eu somos apaixonados por crianças. Nossa alegria é intensa quando nosso acompanhante é um menor de dez anos. Matheus tem dois anos e é incansável. Está sempre falando palavras cujos significados compreendemos mais pela lógica e expressão do que pela clareza da pronúncia. Uma diversão só.
“Vamos de novo”
No chão do quarto estava o colchão inflável não completamente cheio, o que dava a ele uma função similar à de um pula-pula. Se pisássemos de um lado, o outro se levantava com força. Pronto, brincadeira criada. Colocávamos o Matheus com seus pouco mais de dez quilos no centro do colchão e pisávamos nos cantos fazendo com que o menino fosse lançado para o alto. Gargalhadas garantidas.
A alegria infantil é transmitida facilmente, e então os adultos se divertem também. Ora eu, ora o Pedrinho, cada qual a seu tempo governava a brincadeira, intercalando e fazendo as pausas necessárias para os adultos. “De novo! De novo”, Matheus falava com seu sotaque infantil a cada mínima interrupção. Pedro e eu nos entreolhávamos decidindo o próximo da vez, até que, após uns 30 minutos, encerramos a brincadeira. Matheus queria mais, mas os adultos “têm mais o que fazer” e “não têm o mesmo ânimo”. É a mais pura verdade.
G. K. Chesterton (1874-1936, influente escritor, filósofo, teólogo e conferencista britânico) já havia percebido esta diferença entre o ânimo adulto e o infantil muito antes mesmo de eu nascer. E desse entusiasmo da meninice, ele tirou uma rica lição, sobre a qual, depois de transcrevê-la, pretendo fazer um breve comentário:
Mas talvez Deus seja forte o suficiente para exultar na monotonia. É possível que Deus todas as manhãs diga ao sol: “vamos de novo”; e todas as noites à lua: “vamos de novo”. Talvez não seja uma necessidade automática que torna todas as margaridas iguais; pode ser que Deus crie todas as margaridas separadamente, mas nunca se canse de criá-las. Pode ser que ele tenha um eterno apetite de criança; pois nós pecamos e ficamos velhos, e nosso Pai é mais jovem do que nós. A repetição da natureza pode não ser mera recorrência; pode ser um bis teatral. O céu talvez peça bis ao passarinho que botou um ovo. (Chesterton, em “Ortodoxia”, uma de suas obras principais).
Isso. É Isso.
Isso mesmo que eu sentia, mas nunca pudera criar tal argumento para explicar.
Quantas vezes eu não me pego buscando coisas grandes, coisas fascinantes, um pouco de glória. Movo-me e num esforço duramente cansativo, pareço chegar a lugar nenhum. Tento outras formas, busco novos livros, novos amigos e desejo um novo emprego. Sinto que me falta algo. E falta. Mas não percebo que o que me falta não está exatamente tão ligado a “ter” ou “ser”, mas mais a “ver” e “perceber”. A perceber a intensa e magnífica graça de Deus fazendo girar este mundo de maneira monótona mas viva.
Que beleza!
Então, se paro um momento e presto mais atenção, vejo Deus me dizendo algo parecido com o que me diz o pequeno Matheus, mas é ainda mais vívido: “Vamos de novo”. E se resolvo entrar em sua dança, em seu ritmo, vejo o mesmo Sol nascendo pela manhã, mas então ele me parece mais caloroso. Sigo o mesmo caminho para o trabalho, mas as pessoas me parecem mais belas, amigáveis, e o caminho mais descontraído. Eu sorrio.
“O que aconteceu hoje?”, falo de mim para mim. Eu percebo que Jesus está por perto. Não que não estivesse ontem, mas é que eu simplesmente respondi a seu convite e agora sinto o poder transformador de sua presença.
Então parece que eu começo a novamente encontrar-me. Vejo a mim e aos outros por uma ótica diferente. Ignoro meus planos gloriosos de fazer coisas grandes e novas. Desisto de ser a mais querida ou de tornar-me mais bem-sucedida. Começo a perceber a beleza peculiar das mil margaridas aparentemente iguais. E descubro o que é exultar na monotonia.
A beleza do simples
Penso assim que não são as brincadeiras do Matheus que são chatas nem Deus que é antigo demais para tornar nossa vida aventureira. Percebo que as lentes do pecado nos impedem de exultar na monotonia, de descobrir a beleza do simples e do corriqueiro. Mas eu sinto que Jesus quer nos dar novas lentes. Não que tenha vindo ao mundo exatamente para isso, mas imagino seu assombramento quando se tornou homem. Imagino um Jesus contente simplesmente por poder estar próximo de homens comuns, de gente simples.
É compreensível mas engraçado pensar que Jesus não parecia interessado em conhecer pessoas notáveis ou lugares grandiosos. Ele está simplesmente interessado em gente comum, como estava em pescadores e também nas criancinhas: “deixai vir a mim os pequeninos”.
Mas nós estamos sempre querendo conhecer lugares inusitados e ficamos eufóricos quando encontramos uma personalidade, pedimos autógrafos, tiramos fotos e contamos para todas as pessoas que encontramos na sequência.
Embora eu me deixe enganar frequentemente, sinto que fui criada para exultar na monotonia, para conhecer a graça de Deus no gesto infantil, no sorriso de um atendente e ao comer o jantar preparado com algum esforço pela minha mãe. Não estou propondo uma doutrina da simplicidade. Estou apenas compartilhando minha própria necessidade de considerar o que parece irrelevante. Numa sociedade de glamour, isso parece um absurdo. Entretanto, talvez “ser fiel no pouco” seja também aprender a valorizar as pequenas doses de graça concedidas a nós cotidianamente.
Realmente, é isso que falta em nós-percebermos o quão grande e sábio é o nosso Deus. Glória a Ele pra todo sempre.