Já faz algum tempo que uso, na disciplina de Didática, num curso de Pedagogia em que ministro aulas, uma comparação feita pela minha esposa entre a beterraba e o chuchu, quando ela tenta explicar como é que os cristãos poderão modificar o comportamento das pessoas com as quais convivem. Vamos a ela. “O chuchu é um legume meio sem graça, sem sabor e que precisa de um bom tempero para ser apreciado. Já a beterraba é extremamente contagiante, tem sabor e cor fortes e se colocada em contato com o chuchu, afeta o coitado, deixando-o vermelhinho. Aliás, ela deixa vermelho tudo o que toca. Se alguém comer uma bacia de chuchu, dificilmente vai-se lembrar disso no outro dia, porém se comer uma única beterraba, ela se encarregará de fazê-lo lembrar-se disso no primeiro xixi que fizer, pois tingirá sua urina de vermelho”.
Afetar significa modificar, transformar pelo simples contato, fazer crer, afligir, abalar, impressionar, contagiar, contaminar.
Há alguns autores da área da Educação que defendem a ideia de que tudo o que o ser humano aprenderá a partir do momento em que nascer ocorrerá em virtude da relação contínua com o meio (pessoas e objetos) em que estará inserido. Vygotsky (influente pesquisador russo da área da psicologia do desenvolvimento humano), por exemplo, acreditava que a relação interpessoal é fundamental para que um indivíduo aprenda a viver em sociedade, pois é por meio dessas relações que ele terá acesso à cultura (modos globais e peculiares de se viver e pensar). Dito de outro modo, o menino aprenderá a ser homem na relação com outros homens e isto determinará também que tipo de homem ele irá ser. O filósofo alemão Immanuel Kant afirmava que todo indivíduo é resultado de um fenótipo (transformação resultante da interação gene mais meio), o que implica dizer que o comportamento das pessoas é influenciado em parte pela herança genética e em parte pelo meio em que elas estão inseridas.
Isto nos permite concordar com o professor José Carlos Libâneo e tantos outros teóricos estudiosos das relações humanas quando argumentam que em todas as sociedades há uma prática educativa constante, o que faz com que a cultura seja transmitida de uma geração a outra.
Se isto for verdade, bastará sermos cristãos autênticos dentro de nossos lares, e nossos filhos aprenderão tal modelo de vida. Bastará trazermos as pessoas não convertidas para a convivência cristã, e elas se converterão a este modelo de vida.
Esta hipótese, no entanto, merece um questionamento adequado. Se a convivência conosco deveria tornar as pessoas tais como somos, por que isso não acontece naturalmente?
Outros teóricos da Educação defendem que os indivíduos aprendem melhor se aquilo que está sendo ensinado tem um significado para eles. Os significados são resultantes de experiências vividas, o que nos leva fatalmente a outras questões: a vida cristã tem algum significado para nós? Qual é este significado? Que experiências temos tido? A que experiências temos levado outras pessoas?
Talvez num ponto concordemos: se experimentarmos a Cristo, levaremos aqueles que convivem conosco às mesmas experiências ou a outras semelhantes. Às vezes ficamos traçando estratégias sobre como evangelizar, que palavras usar, enquanto bastaria permitir que as pessoas se relacionassem com o Cristo com o qual nos relacionamos.
Na prática educativa mencionada acima, não há uma intencionalidade, os indivíduos apenas vivem sua cultura, e nessa vivência, a cultura é transmitida sem que haja a intenção de se ensinar algo a alguém. Talvez aí esteja a razão do nosso fracasso. Talvez estejamos querendo ensinar a vida cristã ao invés de vivê-la, e quando fazemos isso, tentamos ensinar algo que não vivemos porque estamos preocupados em ensinar.
Há pouco tempo ouvi uma pessoa exclamar: queria tanto ser transformado por Cristo! Não bastaria uma relação com o Cristo que está em nós?
Somos chuchu ou beterraba? Ocorreu-me a hipótese de que ninguém invadiria uma horta para roubar chuchu, isso porque este vegetal estaria na cerca da horta se oferecendo, do lado de fora, algo nada interessante, nada significante.
Como às vezes me sinto tão interessante quanto um chuchu, procuro me achegar a Cristo para que ele me dê significado. Que eu possa afetar as pessoas do meu convívio! Eu desejo que Cristo, por meio de mim, possa fazer crer, afligir, abalar, impressionar, contagiar, contaminar.